Título: Falhas de Mantega na Receita Federal
Autor: Cristino, Vânia
Fonte: Correio Braziliense, 15/07/2009, Economia, p. 14

Ministro selou a queda prematura de Lina ao instituir um comando frouxo no Fisco e ao permitir a politização da secretaria

A mistura de falta de pulso, quebra de hierarquia e politização da máquina foi fatal para a queda de Lina Maria Vieira do cargo de Secretária da Receita Federal. Desde que assumiu o posto, em 31 de julho do ano passado, em substituição a Jorge Rachid, Lina não comandou de fato a pasta. Por trás dela, sempre esteve o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Machado, considerado o mentor da troca. Foi Machado quem convenceu o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a promover a troca. Nos últimos meses, inclusive, Machado saiu da sombra e passou, de fato, a mandar na Receita, despachando com assessores e superintendentes.

¿Deixar a Receita sem um comando claro foi o primeiro erro do governo¿ (Mantega é o ministro responsável direto neste caso), segundo uma fonte ligada ao órgão. A esse erro básico, seguiu-se a politização da máquina (estimulada pelos chefes de Lina), com os cargos de confiança, como as superintendências regionais, sendo preenchidos por uma facção política. Os funcionários mais antigos, tidos como experientes e competentes, foram afastados. Os petistas no poder inovaram : em vez da hierarquização preferiram promover eleições gerais para o preenchimento dos cargos.

O resultado, segundo uma fonte, não poderia ser outro: a arrecadação desabou e a luta feroz de facções sindicais passou a dominar o dia a dia do órgão. Em toda a sua história, como lembra um técnico, a Receita sempre teve conflitos internos. Os auditores fiscais não se dão com os técnicos. A situação funcional se complicou com a criação da Secretaria da Receita do Brasil, que trouxe para a Receita Federal os fiscais da Previdência Social. Todas as tendências, no entanto, são mantidas mais ou menos acomodadas quando o secretário é um homem forte no governo.

Ânsia

¿Foi o que aconteceu na época do Everardo (Everardo Maciel, secretário da Receita Federal durante todo o governo FHC) e também com o Rachid (Jorge Rachid sucedeu Everardo no cargo e ficou no posto durante seis anos e seis meses)¿, disse uma fonte. Na gestão de Lina Vieira a situação foi diferente. Na ânsia de inovar, o governo cometeu uma sucessão de erros. Os mais visíveis, apontados por quem está fora dos postos-chave da instituição, é que a meta de fiscalização foi deixada de lado, parou-se de investir em tecnologia e a Receita ficou à margem das questões tributárias do país.

¿Com tudo isso, atribuir a queda da arrecadação da Receita à Lina é uma injustiça sem tamanho¿, observou uma fonte. O resultado seria outro, observou, se a receita estivesse trabalhando com metas e com um horizonte de três a quatro anos. Como isso não existe mais, a Receita teve que buscar um bode expiatório para explicar a queda da arrecadação Esse ¿bode¿ foi a Petrobras, o que acabou complicando ainda mais a situação periclitante da secretária.

Agora, com a saída de Lina, que ainda não se concretizou, o governo tem um problema maior pela frente: Quem vai aceitar o cargo? E o que fazer com a ingerência de Nelson Machado? Segundo os auditores fiscais é o que todo mundo quer saber.

PF faz apreensão em loja de luxo

A Receita Federal, com apoio da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, apreendeu ontem mais de R$ 2 milhões, entre dinheiro e cheques, na Operação Porto Europa, na loja de decoração e perfumes da empresária Tânia Bulhões, (1)no Jardim Europa, área nobre de São Paulo. A operação combate um suposto esquema de importação fraudulenta de artigos de luxo pela empresa. De acordo com a assessoria de imprensa da Receita, a ação, que acontece em duas residências, duas lojas de decoração e dois escritórios de contabilidade, busca apreender provas contra a empresária.

Com mandados expedidos pela Justiça Federal de São Paulo, até o momento puderam ser apreendidos R$ 537 mil em dinheiro e R$ 1,6 milhão em cheques no cofre de uma das lojas, três computadores e seis HDs, notebooks, pen drives e muitos documentos, que apontam para a existência de offshores nas Ilhas Virgem, que seriam usados na remessa de divisas e lavagem de dinheiro. As faturas verdadeiras das compras que foram apresentadas à Receita com valor subfaturado também foram encontradas.

A organização, suspeita de crimes de descaminho, sonegação fiscal e falsidade ideológica, vinha sendo investigada há um ano e a Receita acredita que o grupo usou laranjas e práticas de subfaturamento nas importações entre 2004 e 2006. Ninguém foi preso. O esquema consistiria em substituir, nos documentos de compra externa, os reais importadores e fornecedores por tradings brasileiras e empresas exportadoras de fachada sediadas em Miami, nos Estados Unidos.

Foram descobertas duas exportadoras com sede no mesmo endereço na cidade americana. Uma simulava a aquisição dos reais fornecedores e a outra se encarregava de remeter as mesmas mercadorias ao Brasil com valores, em média, a 30% dos valores originais. As faturas falsas eram apresentadas à Receita durante a importação.

De acordo com a Receita Federal, os documentos apreendidos serão confrontados com aqueles entregues pela empresa na hora de serem contabilizados os impostos. A partir disso, será possível calcular o quanto teria sido sonegado. A assessoria de imprensa da Tânia Bulhões informou que os advogados da empresa não foram acionados legalmente e, por isso, não podem comentar a operação.

1 - TÂNIA BULHÕES A empresária mineira Tânia Bulhões, 52, é casada com Pedro Grendene, sócio da marca de calçados de mesmo nome. Além da loja de móveis e decoração, aberta em 2005, possui outra loja nos Jardins, de perfumes. Este ano, a marca completa 20 anos em 2009. Segundo estimativas, as lojas da empresária faturaram R$ 70 milhões, no ano passado.

Memória Caso Daslu

Em meados de 2005, a grife Daslu foi investigada na operação Narciso, também da Receita Federal e da Polícia Federal. Os proprietários Eliana Tranchesi e seu irmão, Antonio Carlos Piva de Albuquerque, foram detidos, acusados de importação irregular por meio de crimes de descaminho e sonegação fiscal.

Em abril do ano passado, o Ministério Público Federal em Guarulhos pediu a condenação de sete envolvidos no esquema: Eliana Tranchesi, seu irmão e cinco donos de quatro importadoras. A empresária foi condenada, em primeira instância, a uma pena de 94 anos e meio de prisão por fraude em importações, formação de quadrilha e falsidade ideológica.

A Daslu subfaturou importações com a finalidade de sonegar tributos, em um esquema similar ao que, agora, a Receita Federal suspeita que aconteça nas lojas da empresária Tânia Bulhões: compra de mercadorias no exterior por meio de importadoras (tradings) que falsificam faturas com valores subfaturados. Em 2005, a Polícia Federal disse ter encontrado subfaturamento de até 9.374% em algumas mercadorias.