Título: Pressão por desonerações dificulta ajuste fiscal
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 06/12/2010, Economia, p. 23
Na lista de pedidos, correção da tabela do IR, desoneração da folha e limite maior para enquadramento no Simples
BRASÍLIA. Antes mesmo de tomar posse, o novo governo já enfrenta pressões que não tornarão fácil atingir o objetivo de cortar gastos e fazer um forte ajuste fiscal a partir de 2011. De todos os lados, há demandas para que a equipe econômica faça desonerações apontadas como importantes para manter o crescimento econômico. A principal - e mais difícil de ser feita - é a redução dos encargos sobre a folha de pagamento das empresas. Mas também estão na fila as correções dos limites de faturamento para ser enquadrado no Simples e da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física.
Juntas, essas ações poderiam aliviar a carga tributária de, pelo menos, 4.500 empresas que estão hoje no Simples, e de aproximadamente 15 milhões de pessoas físicas que pagam IR no país. Isso sem contar com o aumento da formalização e da geração de empregos. O problema está em fechar as contas.
Mantega já prorrogou alívio fiscal para setor de construção
Pelos cálculos do governo, cada ponto percentual de desoneração da contribuição previdenciária que incide sobre a folha de pagamento das empresas representa uma perda de R$4 bilhões para os cofres públicos. A equipe do ministro da Fazenda, Guido Mantega, que continuará à frente da pasta, chegou a estudar, no passado, a possibilidade de reduzir a contribuição de 20% para 15%. Mas a medida provocaria rombo de R$20 bilhões.
Tudo isso quando a equipe da presidente eleita Dilma Rousseff já se comprometeu em cortar gastos de custeio e cumprir a meta cheia de superávit primário em 2011: 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país). Essa operação implicará numa redução de despesas de, ao menos, R$40 bilhões, sendo que o governo não contará com a ajuda dos malabarismos fiscais usados este ano. O principal deles foi o recolhimento de R$32 bilhões com a megaoperação de capitalização da Petrobras.
Depois de confirmado no cargo, Mantega já cedeu a uma pressão: anunciou a prorrogação da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para materiais de construção. O benefício, dado durante a crise mundial para estimular a retomada do crescimento, deveria acabar este ano, mas será estendido até o fim de 2011. A renúncia será de R$1,2 bilhão.
O caso mais urgente é o do Simples. O regime concede carga tributária reduzida para micro e pequenas empresas que se enquadram nele: com faturamento de R$240 mil e de R$2,4 milhões, respectivamente. O pleito é que os limites de faturamento sejam corrigidos para R$360 mil, no caso das micro empresas, e R$3,6 milhões, das pequenas. Na última atualização dos limites do Simples, a renúncia foi calculada em R$750 milhões ao ano.
- Muitas empresas estão batendo no teto do Simples e acabam preferindo não ampliar seus negócios para não serem excluídas do regime. Fora dele, a carga tributária é muito alta - afirma o gerente de Políticas Públicas do Sebrae Nacional, Bruno Quick.
Segundo ele, das 4,4 milhões de micro e pequenas empresas, 4.500 estão no limite. A urgência, diz, é porque o comunicado à Receita da adesão ao Simples deve ser feita até fim de janeiro.
Correção do IR levou à renúncia de R$6 bi em 4 anos
No caso da tabela do IR das pessoas físicas, apesar de o governo Lula ter corrigido as faixas de renda dos trabalhadores em 4,5% ao ano, entre 2007 e 2010, para compensar perdas provocadas pela inflação, a defasagem continua em 64%, segundo cálculos do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais (Sindifisco). A correção das faixas representou perda de quase R$6 bilhões. Além disso, foram criadas, em 2008, duas novas alíquotas para pessoas físicas (7,5% e 22,5%), que retiraram R$5 bilhões dos cofres. Um novo reajuste da tabela aliviaria o bolso de 15 milhões de brasileiros que pagaram IR este ano, segundo estimativas da Receita Federal.
A desoneração da folha foi sinalizada por Dilma na campanha, mas o governo evita dizer em que moldes será feita. Para o economista José Márcio Camargo, a medida é essencial para reduzir os custos com empregados e, com isso, aumentar a demanda por mão de obra:
- Muitas empresas recorrem à informalidade para fugir de custos elevados, como a contribuição previdenciária. Uma redução desse tributo provocaria uma migração para o mercado formal e ainda aumentaria a remuneração dos trabalhadores.
Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que, de acordo com o tamanho da desoneração, a formalização no mercado de trabalho subiria de 2 a 8 pontos percentuais. Hoje, mais de 50% dos trabalhadores do país são formais. O chefe de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, Jorge Abrahão, afirma, porém, que a desoneração terá que ser feita com cautela, pois terá impacto sobre a Previdência Social:
- Qualquer mudança terá que ser gradual e feita com cuidado para não prejudicar políticas sociais.