Título: Lula: 'EUA fazem bobagens que todos fazem'
Autor:
Fonte: O Globo, 03/12/2010, O Mundo, p. 37

Embaixador americano reconhece mal-estar e faz périplo para tentar conter estrago

BRASÍLIA. Depois de minimizar o vazamento de arquivos confidencias da diplomacia americana pelo site WikiLeaks, cujos despachos fazem críticas à condução da política externa brasileira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apelou à ironia para alfinetar os Estados Unidos. Para Lula, os EUA, apesar de serem um país rico e poderoso, fazem bobagem como qualquer outro. Defendendo um novo marco regulatório para o setor de comunicações, o presidente aproveitou sua análise para citar o embaraço pelo qual vêm passando os americanos.

- O padrão de comunicação mudou radicalmente. Você veja o que está acontecendo agora com os telegramas do governo americano. Estão desnudando a sabedoria. Todo mundo pensava que os americanos eram melhores que os outros e você percebe que eles fazem as bobagens que todo mundo faz - afirmou Lula, em entrevista a rádios comunitárias.

Tentando apagar qualquer desconforto diplomático, o embaixador americano no Brasil, Thomas Shannon, iniciou um périplo pelo primeiro escalão do governo federal. Ele conversou diretamente com o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e tem contactado outras autoridades de Brasília com a mesma mensagem: as relações entre os dois países são maiores do que eventuais comentários revelados pelo WikiLeaks.

Shannon não apresenta um pedido formal de desculpas pelo conteúdo das comunicações internas. Mas, em tom diplomático, reconhece o mal-estar do episódio e prefere elogiar a compreensão do governo brasileiro. Anteontem, o diplomata americano tentou falar por telefone com o ministro da Defesa, Nelson Jobim, mas não conseguiu. Jobim estava na Polônia. O ministro brasileiro foi o mais exposto nas mensagens vazadas. Num dos documentos, é citado como tendo afirmado que o então secretário-executivo do Itamaraty e hoje ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães, odiava os EUA.

Polícia Federal acha que extração de urânio para Irã é boataria

À tarde, o porta-voz Marcelo Baumbach minimizou o conteúdo das mensagens. Segundo ele, os documentos, embora contribuam para causar mal-estar, não refletem, necessariamente, a posição de um país. Baumbach explica que esses informes são feitos comumente por funcionários das embaixadas e, muitas vezes, refletem apenas a impressão de quem os elaborou.

- O presidente já tem declarado que esse assunto, as revelações do WikiLeaks, é um assunto de menor importância no contexto das relações entre os governos - afirmou.

O governo brasileiro não comentou as denúncias de que os EUA monitoravam, apreensivos, a extração ilegal de minerais, entre eles, urânio, pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) no norte do Brasil, perto da fronteira com a Colômbia. Especialistas da Polícia Federal, no entanto, descrevem evidências de mineração ilegal de material radioativo no norte do Brasil, apesar de a suposta transferência do minério às Farc para abastecer o Irã ser tratada como boataria.

Na madrugada de ontem, um novo lote de telegramas expostos pelo WikiLeaks mostrava a diplomacia americana preocupada com a exploração de urânio - matéria-prima da bomba atômica - na América do Sul, citando o Brasil como uma possível fonte, uma vez que teria sido identificada a extração ilegal pelas Farc na região da fronteira. No mesmo relato, os americanos descreviam, ainda, a descoberta de um armazém da guerrilha com munição contendo urânio empobrecido.