Título: BNDES cederá espaço para bancos privados
Autor: Nogueira, Danielle
Fonte: O Globo, 07/12/2010, O País, p. 3

Mantega diz que instituição já cumpriu seu papel na crise e receberá menos recursos

A política de ajuste econômico não será limitada a corte de gastos nos orçamentos dos ministérios. O governo vai reduzir o repasse de recursos do BNDES, de modo a abrir espaço para que bancos privados assumam a dianteira na oferta de crédito. Uma série de medidas com este objetivo será anunciada em duas semanas, informou ontem o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Durante a crise econômica internacional, quando o custo do financiamento cresceu, o BNDES cumpriu importante papel para manter o nível dos empréstimos para as empresas nacionais. Foi, ao lado de estímulos fiscais como redução de tributos para automóveis e eletrodomésticos, uma das mais importantes medidas anticíclicas.

- Nosso desafio hoje é manter o crescimento econômico sustentável. Para que isso ocorra, 2011 será um ano de ajustamento econômico. Em 2009/2010, quando houve a crise, o Estado teve que participar mais, aumentando gastos, aumentando subsídios e aumentando recursos para o BNDES, para fazer o papel anticíclico - disse Mantega, em evento sobre as perspectivas econômicas do governo Dilma, promovido pela revista "Carta Capital", no Rio:

- Agora que a economia está recuperada, vamos reduzir gastos de custeio, diminuir os recursos que iriam para o BNDES e deixar o setor privado entrar.

Segundo o ministro, a Fazenda está preparando um programa para aumentar o crédito privado de longo prazo. Mantega não detalhou as medidas. Disse apenas que a ideia é que o BNDES tenha um papel menor no mercado de crédito, e que a maior participação do setor privado nesse setor poderá passar, inclusive, pelo mercado de capitais. Ou seja, as empresas também deverão buscar no mercado de ações recursos para financiarem seus projetos.

Nas previsões de Mantega, o volume de crédito do sistema financeiro (não inclui o mercado de capitais) deve alcançar 48% a 49% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) no fim deste ano. Em 2000, o percentual era de 26,9%.

- A economia possui hoje crédito suficiente para dar continuidade a seus projetos - disse.

Nos últimos dois anos, o Tesouro Nacional emprestou R$180 bilhões ao BNDES. Parte desses recursos foi usada em crédito subsidiado, como o Programa de Sustentação do Investimento (PSI). Desde que foi criado em julho de 2009, o programa foi prorrogado três vezes e seu orçamento foi triplicado.

Projetado para injetar R$44 bilhões na economia e recuperar os investimentos no auge da crise, sua dotação alcançou R$134 bilhões, o que provocou críticas dos partidos da oposição. O empresariado nacional, no entanto, saiu em defesa do BNDES. Em carta publicada nos principais jornais, 12 associações industriais manifestaram apoio à política de financiamentos subsidiados.

Apesar da retomada do crédito, Mantega reconheceu que a taxa de investimento no país ainda está em patamar baixo. No segundo trimestre deste ano, segundo os últimos dados disponíveis, a taxa de investimento ficou em 17,9% do PIB, quando o ideal é acima de 20%. Já a dívida líquida está em queda. Deve ficar em 41% do PIB em 2010, chegando a 30% no fim do governo Dilma, segundo o ministro. Ano passado fechou em 42,8%.

Quanto à inflação, Mantega afirmou que há um choque de oferta. Segundo ele, o que tem pressionado o índice são as matérias-primas, sobretudo, os alimentos, e a tendência é que o indicador volte a baixar no médio prazo.

Ele também voltou a criticar a chamada "guerra cambial" - na qual países adotam medidas para desvalorizar suas moedas - e afirmou que este ano o Brasil terá déficit comercial com os Estados Unidos depois de muitos anos de superávit, pois o dólar perde cada vez mais força. E aproveitou para comparar o desempenho da economia brasileira com o de outras economias:

- O Brasil era visto como patinho feio dos Brics (sigla do grupo que reúne Brasil, Rússia, China e Índia) e agora está na vanguarda. Enquanto economias europeias e os EUA estão na retaguarda. (Danielle Nogueira)