Título: Obrigado, Meirelles
Autor: Goldfajn, Ilan
Fonte: O Globo, 07/12/2010, Opinião, p. 7
Foi um fim de semana de nostalgia. No sábado, um reencontro com amigos da escola, no domingo, aniversário da filha. Entre comemoração e músicas, muitas fotos no telão. Foi um mergulho emocionante no passado. Costumo concentrar-me no presente e pensar no futuro. Mas olhar o passado dá a perspectiva do caminho traçado. No Banco Central (BC), também é o momento de olhar o recorrido. Hoje, é o último Copom sob o comando de Henrique Meirelles. Foram oito anos. O saldo é altamente positivo. O que foi conquistado e o que ainda falta avançar?
Muito se avançou nos últimos oito anos. É claro que as conquistas na política monetária não começaram nem terminam (acredito) na gestão de Henrique Meirelles. Mas o saldo dos últimos oito anos é elevado.
Em primeiro lugar, o BC sob a gestão de Henrique Meirelles cumpriu as metas de inflação estabelecidas pelo governo. Não é pouco. Não faltaram recomendações para que se desviasse do seu objetivo em função de dificuldades momentâneas. Atingir as metas nos trópicos não é algo trivial. Muitas vezes, os choques (de oferta) são de magnitude tal que inviabilizam atingi-las no curto prazo. Em outras áreas do governo, às vezes, a meta principal é abandonada em detrimento de outros objetivos. Um exemplo atual é a meta de superávit primário este ano, que não deverá ser alcançada plenamente (sem deduções), mesmo com forte crescimento na arrecadação e a incorporação de ganhos apenas contábeis na capitalização da Petrobras.
Atingir seguidamente as metas de inflação proporcionou benefícios palpáveis ao país. Houve imediatamente queda no risco-país resultante da maior estabilidade. Os juros reais na economia diminuíram, apesar de ainda altos.
Com menor inflação, risco e juros reais, os horizontes se alongaram. Uma economia estabilizada induz todos a olharem o futuro com mais segurança. Os projetos de investimento tornaram-se mais promissores. Investimentos longos, em particular, começaram a ser viáveis. Há, hoje, um desejo por parte dos empresários de ampliar a capacidade produtiva no Brasil, tanto para o mercado doméstico quanto para o internacional.
Os horizontes se alongaram também para financiadores e consumidores. O crédito tornou-se mais abundante, hoje atingindo 47% do PIB, quando era 26% do PIB em 2002. Com isso, o consumo de quem não tinha possibilidade de adquirir alguns bens passou a ser viável, trazendo milhões de pessoas ao mercado consumidor. O financiamento mais longo tornou-se possível, menos arriscado, viabilizando o desejo maior de consumo de bens duráveis e investimento.
Esses alongamentos de prazo têm consequências reais para a economia. O crescimento da economia se acelerou, em parte em função da situação internacional favorável ao Brasil, mas também dos ganhos da estabilidade. Com a inflação atingindo sistematicamente a meta estabelecida, foi também possível redistribuir renda. Mais importante que os ganhos com as transferências de Bolsa Família, uma boa parte da redistribuição de renda ocorreu devido a ganhos expressivos na renda do trabalho dos mais pobres. Essa redistribuição é possível quando os mais pobres não têm seu poder de compra corroído pela inflação (os pobres perdem proporcionalmente mais que os ricos com a inflação).
Apesar do cenário internacional favorável, o BC teve que lidar com crises, tanto externas quanto internas. Após a quebra do Lehman Brothers, no auge da crise financeira internacional, as linhas de crédito escassearam, e o BC adotou medidas de liquidez para aliviar o problema. Mais recentemente, no âmbito interno, o BC teve que lidar com problemas no banco PanAmericano e ofereceu uma solução de alta competência.
Mas muito ainda resta por fazer no âmbito do BC e do governo. É preciso criar as condições para os juros reais continuarem a cair. É também necessário tentar estabelecer a autonomia operacional de jure ao BC.
Em suma, muito se conquistou nos últimos oito anos na política monetária. Para frente, há que novamente consolidar os ganhos anteriores e avançar. A nova gestão do Banco Central tem tudo para continuar nesta trilha bem-sucedida. Boa sorte a Alexandre Tombini nesta nova empreitada, muito obrigado a Henrique Meirelles pelo que deixou.
ILAN GOLDFAJN é economista-chefe do Itaú Unibanco e sócio do Itaú BBA.