Título: É certo colocar ajuste fiscal na pauta
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Fonte: O Globo, 08/12/2010, Opinião, p. 6

O futuro governo se rendeu ao óbvio, e no primeiro ano de mandato da presidente Dilma Rousseff promete pôr as contas públicas novamente em ordem. Para isso, haverá cortes de gastos em praticamente todos os itens do Orçamento da União, com exceção dos investimentos e de alguns programas considerados prioritários, como o Bolsa Família. No caso do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), apenas as obras com previsão de serem concluídas em dois anos terão seus cronogramas mantidos. Nas demais, seus prazos serão estendidos ou postergados.

A presidente eleita, Dilma Rousseff, já havia admitido a necessidade de ajuste em seus primeiros pronunciamentos depois de confirmada a vitória nas urnas. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, passou a dizer que 2011 seria diferente de 2010, e agora, também na qualidade de titular da pasta no próximo governo, anuncia que os estudos sobre os cortes já estão sendo feitos pelo Ministério do Planejamento e a Secretaria do Tesouro Nacional.

Afinal, Mantega muda o discurso. Antes tarde do que nunca. A inflação tem dado sinais preocupantes, e controlá-la apenas por meio da política monetária, com alta nas taxas de juros e restrições ao crédito, seria disparate num momento que a economia brasileira cresce em ritmo acima do seu potencial. Não fazia sentido que o governo continuasse com o pé no acelerador quando os investimentos em curso, das empresas principalmente, serão suficientes para assegurar uma expressiva demanda no mercado doméstico, gerando empregos e renda.

Como maior agente econômico, o governo teria mesmo que moderar seus gastos, para contrabalançar a forte atividade dos demais setores. Na verdade, o que deverá ocorrer será um corte no aumento das despesas previstas. Em termos reais, descontada a inflação, o setor público gastará mais em 2011 do que em 2010. Porém menos do que havia sido orçado.

A exceção deve ficar por conta do BNDES, cujo volume de empréstimos ficará abaixo, em termos reais e absolutos, do montante que será desembolsado este ano. Mas a intenção é que outros mecanismos de financiamento de longo prazo sejam acionados, aproveitando-se o bom momento do mercado de capitais brasileiro.

Mas esse bom momento somente será mantido se a política monetária não tiver de assumir todo o encargo do combate à inflação. Passado o período eleitoral - durante o qual esse tema não foi discutido pelos candidatos mais profundamente, por ser politicamente espinhoso -, a realidade se impôs, e felizmente a racionalidade deverá prevalecer.

O país poderá crescer em ritmo bem razoável (a previsão do governo é de uma expansão do Produto Interno Bruto da ordem de 5% no ano que vem), segurando a inflação próxima do centro da meta (4,5%) e ainda evitando pressões indesejáveis nas contas externas (balanço de pagamentos). No curto e médio prazos, o caminho mais apropriado para se encontrar esse equilíbrio é o da política fiscal. O governo Lula colheu resultados do ajuste que promoveu no início do seu mandato.

Essa experiência, ao que parece, não será ignorada pelo governo Dilma.