Título: EUA apostam em nova geração no Itamaraty
Autor: Roberto Maltchik
Fonte: O Globo, 07/12/2010, O Mundo, p. 32

SAIA-JUSTA NA DIPLOMACIA MUNDIAL

Documentos definem como antiamericana a atual política externa conduzida por Amorim, Garcia e Guimarães

BRASÍLIA. O antiamericanismo dos mentores da política externa no governo de Luiz Inácio Lula da Silva levou a diplomacia americana a apostar numa nova conjugação de forças no Itamaraty, onde jovens mais pragmáticos suplantariam a condução ideológica, responsável até pelo autoexílio de antigos diplomatas brasileiros no exterior. A visão geral sobre o tema foi cristalizada em relatos feitos a Washington em 2009 pelo ex-embaixador dos Estados Unidos em Brasília Clifford Sobel, por meio de telegramas divulgados pelo site WikiLeaks.

São cinco telegramas de fevereiro, nos quais Sobel revela descontentamento - especialmente com a atuação do ex-secretário-geral do Itamaraty Samuel Pinheiro Guimarães. Chega a fazer votos pela aposentadoria compulsória do diplomata - concretizada no segundo semestre do ano passado - e sugere que o poder exercido por Guimarães era fruto de sua ligação com o PT e dos laços familiares com o ministro das Relações Exteriores Celso Amorim.

"Junto com suas conexões familiares (a filha de Guimarães é casada com o filho de Amorim), essa história (de ligação com o PT) pode explicar sua grande autoridade e substancial autonomia", afirma Sobel no telegrama.

"Autoexílio e aposentadoria precoce de diplomatas"

Ainda de acordo com o ex-embaixador, o presidente Lula e seus três principais formuladores da política externa (Amorim, Guimarães e o assessor especial para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia) dissimulam a estratégia de deixar em segundo plano as relações bilaterais com os EUA e a Europa para reforçar a integração regional. Assim, de acordo com o ex-embaixador, o Brasil busca aumentar o diálogo com o Irã, a Venezuela e a Coreia do Norte, sem prejudicar sua relação com a Casa Branca. Seria uma fórmula para se destacar como amigo dos "Estados Unidos e de seus adversários".

"Nenhum dos três admite que existe algum interesse ou esforço para pôr em segundo plano as relações com a Europa e os Estados Unidos. Entretanto, cresce o debate na elite diplomática não governamental e uma substancial oposição do setor privado ao pesado enfoque dado à (relação) sul-sul".

A "inclinação à esquerda", conforme o relato de Sobel, resultou no "exílio externo ou em postos domésticos fora do Itamaraty, autoexílio no exterior ou aposentadoria precoce para diplomatas importantes", diz a mensagem.

Tachado como "nacionalista", o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, seria o mais cauteloso entre os esquerdistas do triunvirato da política externa lulista, em nome da tradição de multilateralismo e reciprocidade do Itamaraty. Para justificar tal assertiva, o americano diz que tem "quase certeza" que a concessão de refúgio ao italiano Cesare Battisti - acusado de terrorismo na Itália - não contou com o seu apoio. Para ele, o abrigo ao italiano foi fruto de uma decisão "ideológica" do ex-ministro da Justiça, Tarso Genro.

Já considerando a troca de guarda na Embaixada dos EUA - hoje comandada pelo diplomata Thomas Shannon -, Sobel pondera que na próxima década o Itamaraty será renovado, por um "grande grupo de jovens, mais pragmáticos e com uma visão global", em substituição "à velha geração" que define seus interesses regionais em oposição aos Estados Unidos. Estaria, na visão do ex-embaixador, aberta a porta para uma ofensiva "americanista" sobre a nova geração da diplomacia brasileira.