Título: A carga tributária no país é justa
Autor: Gois, Chico de; Beck, Martha
Fonte: O Globo, 04/12/2010, O País, p. 3
Lula defende impostos e agora culpa "inimigo oculto" por não ter feito reforma tributária EM ENTREVISTA para repórteres estrangeiros, Lula diz que "os países que têm carga tributária muito baixa são países muito pobres. Os que têm carga tributária alta são mais ricos".
Opresidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu ontem, em entrevista a correspondentes estrangeiros, a carga tributária no Brasil, afirmando que ela não é alta, mesmo sendo uma das mais elevadas do mundo. Argumentou que, para o Estado suprir as necessidades da população, tem que arrecadar muito. E atribuiu a um "inimigo oculto" o fato de duas reformas tributárias enviadas por ele ao Congresso não terem sido aprovadas:
- A carga tributária no Brasil é justa. E ela diminuiu. E vamos diminuindo à medida que vamos aumentando a base da pirâmide que contribui.
Para Lula, é preciso que o Estado arrecade para oferecer serviços de qualidade, pois, quanto mais um Estado arrecada, mais rico ele será. Por outro lado, de acordo com seu pensamento, um Estado que arrecada pouco não pode fazer nada:
- Há uma contradição. Você pega o mapa e os países que têm carga tributária muito baixa são países muito pobres. Os que têm carga tributária alta são mais ricos. Certamente, nos Estados Unidos, o Imposto de Renda é muito maior do que no Brasil. O Estado arrecada e oferece benefícios. Aqui na América Latina há país que tem uma carga tributária de 9% (do PIB). Um Estado que arrecada 9% não é Estado. Não existe. Não pode investir.
Brasil tem carga maior que EUA
Estudo divulgado pela Receita Federal em setembro, levando em consideração dados apurados em 2008, porém, demonstra que a carga tributária no Brasil é superior à de países ricos como Japão, Estados Unidos, Canadá e Suíça. No Brasil, os impostos no bolso do cidadão atingiram naquele ano 34,41% do PIB. No Japão, foi de 17,6%; nos Estados Unidos, de 26,9%; no Canadá, 32,2%; e na Suíça, de 29,4%.
Embora tenha caído em 2009, a carga tributária brasileira é uma das mais elevadas do mundo. O peso dos impostos no bolso da população fechou o ano passado em 33,58% do PIB. O montante é maior que o registrado em países como Argentina (29,3%), Chile (18,5%), Espanha (32%), México (20%), Turquia (24%) e Irlanda (28%).
A redução da carga no ano passado foi provocada pela crise internacional, que desaqueceu a economia e derrubou a arrecadação federal. O resultado de 2009, no entanto, não é uma tendência. Segundo especialistas em contas públicas, a carga voltou a subir em 2010, ano em que a arrecadação tributária se recuperou e tem batido sucessivos recordes. Segundo o especialista em contas públicas Amir Khair, ela deve fechar este ano em 34,4% do PIB.
Na entrevista, Lula falou também sobre reforma tributária. Afirmou que há um modismo de se falar em reforma tributária e avaliou que os empresários e os políticos não estão interessados, na prática, no assunto. Para ele, a reforma tributária tem acontecido no dia a dia, com a desoneração:
- Uma coisa que aprendi nesses oito anos na Presidência é que muita gente gosta de falar em reforma porque é um certo modismo. É uma coisa chique. Mas já mandei duas propostas para o Congresso, a primeira em 2003, e algum inimigo oculto não permitiu que ela andasse no Congresso.
Ele disse que em 2007, primeiro ano do segundo mandato, enviou outra proposta, e o resultado foi o mesmo:
- Quando ela chegou no Congresso, imaginei que seria aprovada no primeiro dia, por unanimidade, tal era a coesão em torno da política tributária. O que aconteceu? Nada. Porque o inimigo oculto se manifestou outra vez e não permitiu que acontecesse.
"Vamos fazendo a cada dia a reforma"
De acordo com o presidente, ninguém está interessado em aprovar proposta nesse sentido:
- Se ela não foi votada, significa que é mais uma vontade verbal do que necessidade de fazer a reforma, porque me parece que as pessoas não querem. Cada empresário tem uma bancada lá. Poderia ser feito. Nós vamos fazendo a cada dia a reforma.
Lula também disse que não fez a reforma trabalhista porque empresários e trabalhadores não se acertaram, e o governo não quis tomar partido.
- Criei um grupo de trabalho entre empresários, trabalhadores e governo. Enquanto trabalhadores e empresários não se entenderem, não haverá reforma laboral. Não é justo que o Estado imponha a vontade de um sobre o outro. É importante que se construa um consenso.
Além de várias medidas provisórias tratando de temas tributários - como renegociação de dívidas e desonerações de impostos -, o governo Lula enviou ao Congresso, formalmente, duas propostas de reforma tributária. A primeira, em abril de 2003, por meio da PEC 41. A segunda, em fevereiro de 2008, pela PEC 233. Lula conseguiu aprovar a primeira, mas com texto original totalmente desfigurado. Já a segunda proposta está parada na Câmara, por vontade dos próprios partidos governistas.