Título: Aperto monetário se faz necessário
Autor:
Fonte: O Globo, 04/12/2010, Opinião, p. 6

A inflação voltou a incomodar e teria sido até uma grande surpresa se os índices de preços estivessem agora mais comportados, pois há simultaneamente vários fatores de pressão. Matérias-primas e commodities agrícolas, das quais o Brasil é exportador, estão com cotações altas devido à demanda que vem da Ásia (China, Índia, etc). Internamente, o setor privado tem ampliado seus investimentos, o que mantém o mercado de trabalho aquecido, a massa salarial em expansão e um consumo crescente.

O governo, que deveria contrabalançar esse aumento de demanda com uma moderação nos seus gastos, acabou pondo mais lenha na fogueira, executando uma lamentável política fiscal, mais de olho nas eleições gerais do que na conjuntura econômica. Para complicar o ambiente, fatores climáticos afetaram a oferta de alimentos essenciais para a cesta básica, como feijão, arroz, açúcar, carne, óleo de soja.

Não dá para ficar de braços cruzados enquanto os agentes econômicos - especialmente as instituições financeiras ouvidas semanalmente pelo Banco Central - estão revendo suas projeções de inflação para cima. Os últimos levantamentos da pesquisa Focus, feita pelo BC, mostram que o mercado financeiro já espera para o ano que vem uma inflação da ordem de 5,5%, afastando-se gradualmente do centro da meta perseguida pelas autoridades (4,5%).

Enquanto o novo governo não assume e cumpre a promessa de executar uma política fiscal mais compatível com a atual situação econômica do país, as autoridades monetárias terão de agir. E isso já começou ontem, com a decisão de se elevarem os percentuais de depósito compulsório dos bancos, o que obrigará o sistema financeiro a restringir o crédito. O consumidor pagará mais caro por financiamentos, o que pode levá-lo a adiar algumas compras. Ou seja, o Banco Central está jogando água fria na fervura, para baixar a temperatura da demanda doméstica.

Na semana que vem o Comitê de Política Monetária (Copom) fará a sua última reunião no ano - e no governo Lula - , e, diferentemente do que se previa no encontro anterior, terá de demonstrar ao mercado que, mesmo temporariamente, passaremos por uma fase de aperto, o que pode se evidenciar por uma alta nas taxas básicas de juros ou por seus habituais comunicados.

A presidente eleita, Dilma Rousseff, já anunciou que um dos seus objetivos é reduzir a relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto para cerca de 30%. O país deverá fechar este ano com esse indicador ligeiramente acima de 41%. Para cumprir sua promessa, a presidente Dilma precisa que a trajetória das taxas de juros seja declinante ao longo de seu governo. Mas essa tendência dependerá agora fundamentalmente da política fiscal, pois, do lado monetário, para segurar a inflação os juros não poderão baixar nos próximos meses - vale lembrar que a presidente também reafirmou seu compromisso de manter o regime de metas de inflação.

Um aperto monetário pode parecer paradoxal nesse momento em que grandes economias europeias, o Japão e os Estados Unidos caminham no sentido inverso. Mas nesses países o risco é de recessão. No Brasil, estamos mais para um crescimento asiático. E a própria China vem adotando medidas de aperto monetário.