Título: Para analistas, medidas devem adiar alta nos juros básicos para janeiro
Autor: Duarte, Patrícia; Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 04/12/2010, Economia, p. 34

Aperto no crédito evita impacto da Selic no câmbio e nas contas públicas

BRASÍLIA e RIO. Com o anúncio das medidas para restringir o crédito, ontem, pelo Banco Central, os analistas do mercado não acreditam mais numa alta na taxa básica de juros Selic na próxima semana, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) fará sua última reunião deste ano. Agora, os agentes econômicos preveem que o aperto monetário virá só em janeiro ou até um pouco mais tarde. Hoje, a Selic está em 10,75% ao ano. Ao dar um aperto no crédito, as medidas anunciadas ontem têm, para a atividade econômica, um efeito similar ao de um aumento nos juros: frear o consumo e, assim, conter a alta da inflação.

- É como se tivesse ocorrido uma alta de juros hoje (ontem) - resumiu o economista-chefe do WestLB, Roberto Padovani.

Para o economista Jason Vieira, da Cruzeiro do Sul Corretora/Apregoa, a opção por enxugar o crédito, em vez de subir a taxa básica Selic logo, é uma solução menos dolorosa. Isso porque uma alta da Selic teria impacto nas contas públicas, já que grande parte da dívida pública é corrigida pela taxa básica de juros. Além disso, lembra Vieira, a Selic teria impacto no câmbio, tornando os papéis brasileiros mais atrativos e, assim, aumentando o fluxo de investimentos externos para o país:

- E o efeito do aumento do compulsório é imediato, enquanto o aumento da taxa Selic demora um tempo, que pode chegar a seis meses, para afetar o consumidor final e esfriar a economia - disse.

Após alta da véspera, juros futuros caem com força

Na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F), as medidas de aperto anunciadas ontem pelo BC praticamente eliminaram as apostas para uma alta de juros na próxima quarta-feira. Os contratos de juros futuros com vencimento em janeiro de 2011, que refletem a reunião do Copom da próxima semana, recuaram para 10,685% ao ano, em queda de 0,15 ponto percentual. Essa taxa representa que, em média, o mercado aposta numa alta de 0,09 ponto percentual na Selic - ou seja, a grande maioria prevê estabilidade e alguns ainda veem alta de 0,25 ponto percentual.

Na véspera, os juros futuros haviam subido com força, com o contrato para janeiro de 2011 fechando a 10,839% - o que refletia uma aposta de alta de 0,30 ponto na Selic este mês.

- O BC tende a aguardar para ver os impactos da medida antes de decidir aumentar a taxa (Selic). Por isso, o mercado zerou suas apostas de aumento. Mas ainda estão lá (embutidas nas taxas do mercado futuro) elevações de meio ponto em janeiro, março e abril - disse Luciano Rostagno, estrategista-chefe da CM Capital Market.

Para Rostagno, esta não era uma hora oportuna para o Copom subir juros, já que estamos em meio a uma transição de governo:

- Uma alta em dezembro eliminaria parte da flexibilidade da próxima equipe.

Em relatório, o banco Barclays previu ontem três aumentos consecutivos da Selic em meio ponto percentual, mas só a partir de março. Já Santander e Itaú Unibanco apostam que a alta dos juros começará em janeiro.

O BC trabalhava essas ações havia mais de dois meses e, apesar de terem objetivo prudencial de evitar problemas no mercado de crédito, vão afetar o consumo de modo geral, o que auxilia agora na condução da política monetária a curto prazo, num momento em que a inflação está acelerando. O próprio presidente do BC, Henrique Meirelles, deixou claro ontem esse movimento.

- É importante e prudente não dissociar essas ações macroprudenciais das ações tradicionais de política monetária (como elevações ou baixas dos juros). Isto é, são canais complementares, usados em situações diferentes. Em resumo, essas são ações prudenciais que têm efeitos importantes sobre a política monetária - afirmou ele.

Para mercado, medidas fortalecem Tombini

A atividade econômica aquecida no Brasil, bem como a escalada dos preços dos alimentos, têm pressionado os indicadores de inflação, aumentando cada vez mais a percepção de que o Copom elevaria em breve a Selic. Pela pesquisa Focus do próprio BC, o mercado já enxerga o IPCA de 2010 a 5,72% e o de 2011 a 5,20%, cada vez mais distantes do centro da meta do governo de 4,5%.

O mercado também avaliou que as ações anunciadas ontem pelo BC fortalecem o futuro presidente da instituição, o ainda diretor de Normas, Alexandre Tombini, bem como facilita o caminho para o governo da presidente eleita Dilma Rousseff conseguir reduzir a taxa real de juros do país --hoje em cerca de 5% ao ano -- para 2% em quatro anos.

Tombini participou ativamente da elaboração das ações anunciadas ontem e, por isso, também já imprimiu um pouco sua marca.