Título: Caso WikiLeaks domina cúpula
Autor: Gois, Chico de; Vasconcellos
Fonte: O Globo, 04/12/2010, O Mundo, p. 43

Telegramas citam preocupação com riqueza dos Kirchner e verba do narcotráfico

MAR DEL PLATA, Argentina. O escândalo pela revelação de telegramas diplomáticos americanos obtidos pelo site WikiLeaks contaminou a agenda extra-oficial da XX Cúpula Ibero-americana, que começou ontem no balneário argentino de Mar del Plata com a presença de mais de 15 presidentes da região, entre eles Luiz Inácio Lula da Silva. Embora o assunto não esteja na agenda de questões a serem tratadas pelos chefes de Estado, o material divulgado pelo WikiLeaks roubou a cena, sobretudo nos corredores do Hotel Provincial, local escolhido como sede do encontro. Ontem, os principais meios de comunicação da Argentina informaram sobre a descoberta de telegramas que confirmaram a preocupação de países europeus em relação aos movimentos financeiros do ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007) e à presença de "dinheiro do narcotráfico" no país.

Para surpresa de muitos dos participantes do evento, os presidentes da Venezuela, Hugo Chávez, e da Bolívia, Evo Morales, decidiram cancelar sua participação na cúpula. Outros chefes de Estado latino-americanos que chegaram a Mar del Plata, entre eles o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, e do Equador, Rafael Correa, se referiram ao assunto.

- Temos de ter coragem para enfrentar as situações e as notícias - disse Lugo.

Equador quer incluir parágrafo sobre vazamento

Já Correa assegurou que "foi ferida a confiança entre os países".

- Os telegramas confirmam o que já imaginávamos, a manipulação dos Estados Unidos da política da nossa região - declarou o equatoriano.

Segundo informações confirmadas por fontes governamentais, o governo do Equador pretende incluir um parágrafo sobre o escândalo WikiLeaks na declaração final dos presidentes, que será assinada hoje. O governo Lula, porém, não estaria de acordo com a iniciativa.

Questionado sobre o assunto por um jornalista argentino, o chanceler Celso Amorim assegurou que "o assunto não parece importante".

Apesar de seu nome ter aparecido em diversos telegramas revelados nos últimos dias, a presidente argentina, Cristina Kirchner, continua evitando falar no escândalo WikiLeaks. Na noite de quinta-feira, Cristina recebeu um telefonema da Secretária de Estado americana, Hillary Clinton, que, segundo informações divulgadas pela imprensa local, lamentou "os incidentes ocorridos". Hillary se referia a um telegrama do Departamento de Estado, divulgado pelo site, pedindo à embaixada americana em Buenos Aires para verificar o "estado de saúde mental" de Cristina. A líder argentina chegou a Mar del Plata, mas continuou em silêncio.

Pouco mais de um mês após a morte do ex-presidente Kirchner, os jornais argentinos publicaram informações, encontradas em documentos secretos da embaixada americana em Buenos Aires, sobre as suspeitas que existiam em países europeus e também nos Estados Unidos em relação à situação financeira de Kirchner.

De acordo com o jornal "Clarín", telegramas diplomáticos americanos asseguram que autoridades da Suíça, Lichtenstein e Luxemburgo pediram ao governo argentino informações sobre os movimentos financeiros de Kirchner e nunca obtiveram resposta. Durante a gestão do ex-presidente, a fortuna do casal K aumentou em 710% e chegou a superar os US$12 milhões. O enriquecimento do casal presidencial foi investigado pela Justiça local, mas por decisão do juiz Norberto Oyarbide o caso foi encerrado no ano passado.