Título: Lula compara papéis vazados a fichas do Dops
Autor: Gois, Chico de; Vasconcellos
Fonte: O Globo, 04/12/2010, O Mundo, p. 43

Presidente critica "mentiras" em documentos revelados. Amorim admite sondagem para receber presos de Guantánamo

BRASÍLIA e RIO. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva mudou o tom sobre o vazamento de telegramas de diplomatas americanos em relação ao Brasil e criticou o teor dos documentos revelados pelo site WikiLeaks, comparando-os às fichas produzidas pelos militares brasileiros na época da ditadura e que continham, conforme observou, muitas mentiras e nada de consistente.

Até então, Lula vinha adotando um discurso mais cauteloso, dizendo que as notícias eram insignificantes para o Brasil. Em entrevista a correspondentes estrangeiros, no Rio, ele considerou gravíssima a divulgação dos telegramas e disse que o conteúdo "macula" o comportamento da diplomacia americana. A declaração foi uma resposta a um jornalista americano que perguntou se o Brasil estava preocupado. Para Lula, "quem deve estar preocupado é Obama".

- Acho que isso é uma lição para que, daqui para a frente , os embaixadores passem telegramas com mais responsabilidade. A gente não pode, para prestar contas ao chefe, ficar escrevendo qualquer coisa e mandar. Fui vítima disso quando era dirigente sindical. A quantidade de bobagens e de mentiras que tinha no Dops era coisa absurda - criticou, lembrando quando foi ao Departamento de Ordem Política e Social retirar cópia dos documentos produzidos por arapongas. - Isso machuca um pouco a nobreza da diplomacia mundial e o comportamento da diplomacia americana. Acho gravíssimo.

O presidente também negou que o Brasil faça uma política externa antiamericana, como constou em um dos despachos vazados. O telegrama do então embaixador Clifford Sobel citava uma conversa com o ministro da Defesa, Nelson Jobim, que, segundo o telegrama, afirmava que a política externa do Itamaraty era antiamericana.

- É bem possível que haja gente aqui que não gosta dos Estados Unidos. Vou lhe falar a minha posição como presidente e do meu país enquanto decisão de nação. Os Estados Unidos são um parceiro excepcional, um parceiro privilegiado. Temos relações políticas, comerciais, culturais muito importantes - disse, para, em seguida, fazer uma ressalva: - Não concordamos com algumas posições. Muitas vezes os Estados Unidos impedem que uma empresa que produza um produto qualquer e tenha uma peça americana venda para a Venezuela e para países que eles não consideram amigos.

Para Lula, é possível que haja mais sentimento antibrasileiro, por parte dos Estados Unidos, do que o contrário.

- A única coisa que lamento é que muitas vezes eles olham com olhar pequeno para a América Latina. Era preciso que tivesse uma visão maior do que representa o Brasil e a América Latina.

Os telegramas divulgados ontem revelam que o Brasil vem rejeitando, desde 2003, pedidos dos Estados Unidos para receber presos da base naval americana de Guantánamo, em Cuba, acusados de terrorismo. O pedido se referia em especial a uigures - muçulmanos chineses que fugiram da China e foram presos por engano no Afeganistão -, que seriam recebidos como refugiados. Segundo dois telegramas de 2005, enviados pelo então embaixador John Danilovich, o Brasil alegou problemas legais, já que os prisioneiros não haviam sido considerados refugiados pelo país que tentava enviá-los: os próprios EUA.

Brasil não quis importar o problema, diz Amorim

No Rio, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, admitiu que o país foi sondado para receber presos de Guantánamo. Ele explicou que o Brasil não aceitou receber os detentos porque não havia "motivos para importar o problema".

- Houve sondagens. O Brasil não achou adequado receber, por várias razões, (entre elas) por serem pessoas suspeitas de terrorismo. Acho que o mais normal seria, se são inocentes, encontrarem um caminho na vida. Não havia razão para importar um problema que não tinha nada a ver conosco - disse.

O ministro minimizou o vazamento dos documentos. Segundo ele, não há nada de "top secret" no conteúdo apresentado pelo site. Apesar disso, Amorim afirmou que um dos textos é interessante porque mostra que o diplomata americano em Honduras considerou um golpe de Estado a deposição do ex-presidente Manuel Zelaya.

- Muito interessante porque nós fomos criticados aqui (por afirmar que havia sido golpe).