Título: A arte de neutralizar os críticos
Autor: Foreque, Flávia
Fonte: Correio Braziliense, 16/07/2009, Política, p. 8

A frase de aproximação com Fernando Collor e Renan Calheiros consolida a tendência conciliadora do presidente Lula, dizem especialistas.

Os elogios do presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos senadores Fernando Collor (PTB-AL) e Renan Calheiros (PMDB-AL) em discurso em Alagoas, na última terça-feira, aumentam a lista de afagos do petista a políticos que, no passado, foram seus adversários ferozes. Ao longo dos quase oito anos à frente do Palácio do Planalto, Lula neutralizou oposicionistas e suavizou o discurso contra antigos desafetos. A defesa do presidente do Senado, José Sarney, após inúmeras denúncias contra sua gestão na Casa, é um dos exemplos mais recentes.

¿Quando Lula foi preso como dirigente sindical, o Sarney já fazia parte do establishment do governo militar¿, lembra Geraldo Tadeu Monteiro, presidente do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS). A necessidade de apoio político no Senado e as eleições presidenciais de 2010 são apontadas como motivos para aproximação. ¿Isso é uma troca política. O presidente Lula tem muita legitimidade, muita popularidade e, por outro lado, depende dessas figuras políticas que têm parcelas de poder¿, pondera o professor. Os movimentos de reconciliação podem ser constatados, na verdade, ainda no primeiro mandato.

Após desentendimentos com Delfim Netto, ministro da Fazenda na ditadura militar, Lula deu sinais de aproximação com o deputado federal. ¿Passei vinte e poucos anos criticando o Delfim e hoje sou amigo dele¿, afirmou Lula em 2006. Os afagos também vieram do ex-ministro. Pouco mais de 3 meses depois do início do primeiro mandato de Lula, Delfim afirmou que Lula cumpria o que prometeu durante a campanha e elogiou a política econômica do petista.

As farpas entre o presidente e o senador Antônio Carlos Magalhaes também ganharam destaque na mídia. A desavença entre os dois políticos chegou ao auge quando ACM afirmou, durante campanha ao segundo mandato, que o petista não estaria em ¿condições mentais de dirigir o país¿. O político baiano, por outro lado, foi qualificado por Lula de ¿hamster do Nordeste¿. Anos depois, o petista faria visita de cortesia ao senador, internado em São Paulo para tratamento de pneumonia. Para ACM, o gesto foi ¿de generosidade, delicado e com delicadeza será respondido¿. Dias após, ACM faria visita a Lula no Planalto, tecendo elogios ao líder do Executivo.

Realismo Os movimentos de conciliação fazem parte da política nacional, avaliam especialistas. A postura seria resultado de um realismo político e de uma espécie de cinismo oficial, avalia o filósofo Roberto Romano. ¿Essa tendência do Lula é uma tendência de boa parte dos nossos políticos. No caso dele, não está como os outros políticos, na planície. Ele está no alto do morro e impõe um padrão¿, afirma.

O presidente do IBPS pondera que, com o alto índice de popularidade entre os brasileiros, a coerência partidária não é cobrada pelos eleitores. O apoio ao chefe do Executivo é tamanho que o professor cita como exemplo as manifestações no Rio de Janeiro, lideradas por estudantes e sindicalistas contrários à instalação da CPI, discurso adotado pelo governo até a constituição da nova comissão parlamentar. ¿O que o presidente faz, com muita competência, é encurralar a oposição¿, resume.

Outras reconciliações

LULA SOBRE DELFIM Passei vinte e poucos anos criticando o Delfim e hoje sou amigo dele (12/2006)

DELFIM SOBRE LULA Num segundo mandato, o sujeito só tem a opção de sair como estadista ou registrar seu nome na história. Eu confio na inteligência do Lula e que ele vai fazer o primeiro. A inteligência dele vai levá-lo a isso (11/2006)

ACM SOBRE LULA Esse homem bebe demais ou não está em condições mentais de dirigir o país (9/2006)

Um presidente que ganha as eleições com 20 milhões de votos de diferença, na minha opinião não precisa se submeter a ninguém, não deve ficar refém de nenhum partido (4/2007)

LULA SOBRE ACM Não tenho medo de cara feia e, se ele quiser que eu o receba, vai ter que me respeitar. Para mim, ele não é o leão do Nordeste, como já foi chamado, mas um hamster (9/2006).

Tempos depois, o presidente faria uma visita de cortesia ao líder baiano e selaria um tempo de paz entre ambos