Título: Crise fez Chávez apelar ao exterior
Autor: Farah,Tatiana ; Azevedo, Cristina
Fonte: O Globo, 10/12/2010, O Mundo, p. 45

Documentos apontam busca infrutífera de parceiros para estatal do petróleo

LONDRES. Apesar de a estatal petrolífera PDVSA ser considerada a mola-mestra da economia venezuelana, seu desempenho não foi suficiente para atrair parceiros estrangeiros, o que obrigou o presidente Hugo Chávez a apelar internacionalmente para tentar salvar sua "revolução socialista". Documentos da embaixada americana em Caracas obtidos pelo jornal britânico "Guardian" mostram que empresas de Estados Unidos, Europa e Ásia foram procuradas pelo país latino-americano, que tinha por objetivo fazer acordos a fim de dar novo impulso à caótica economia nacional.

"O presidente Chávez, por sua vez, está bem ciente do impacto que a trajetória econômica do país tem sobre a sua popularidade", diz um dos telegramas.

Mensagens de diplomatas americanos descrevem um "fiasco" econômico e sugerem que aliados-chave, como Brasil, Argentina e Cuba, estavam seriamente preocupados com os rumos da Venezuela.

Num dos documentos, por exemplo, o assessor especial para assuntos internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, afirmou à embaixada americana que a Venezuela tinha "problemas econômicos profundos, especialmente no setor de abastecimento de energia". Já a representação em Havana relatou que o governo cubano, que depende pesadamente de ajuda de Caracas, estava temendo pela saúde financeira venezuelana.

A recessão, os problemas graves de infraestrutura e os 30% de inflação são inimigos públicos da Venezuela. Mas, segundo as mensagens, o governo insistia que a PDVSA era capaz de financiar a ideologia do "socialismo do século XXI" e a política de nacionalização. Entretanto, mesmo a petrolífera estava em apuros e buscou apoio estrangeiro.

Especialistas já suspeitavam que o setor não estava bem. Mas empresas estrangeiras ainda operantes na Venezuela mantêm o silêncio, temendo uma possível restrição à maior reserva de energia do Ocidente.

Acordo com Venezuela gerou brigas na Espanha

No entanto, em conversas distintas com o embaixador Patrick Duddy, empresários do setor detalharam o estado precário da indústria no país. Um diretor da Mitsubishi na Venezuela chegou a afirmar que o governo estava sofrendo para atrair investidores.

"(O empresário) afirmou que nos bastidores, a liderança da PDVSA está extremamente irritada com o fracasso dos lances registrados pelas empresas internacionais. Ele acrescentou que a Mitsubishi enviou uma carta para a PDVSA explicando por que as condições oferecidas pela Venezuela eram insuficientes e o que precisaria ser modificado para que uma oferta comercialmente viável fosse feita."

Outras negociações de Chávez são citadas em telegramas enviados pela embaixada de Madri. Um acordo de venda de navios e aviões da Espanha para a Venezuela gerou problemas e discussões dentro e fora do governo espanhol - os ministros das Relações Exteriores e da Defesa, Miguel Ángel Moratinos e José Bono, tinham opiniões diferentes sobre o negócio.

Além dos desentendimentos internos, os EUA pressionaram Madri para evitar que o acordo fosse fechado. O impasse se tornou um dos principais obstáculos para normalizar as relações entre EUA e Espanha após a retirada das tropas espanholas do Iraque. Até o presidente do governo espanhol, José Luis Zapatero, foi alvo de pressão. Ao final, a venda foi concluída, mas Washington vetou a transferência de tecnologia necessária para os aviões.