Título: Sakinah faz confisssao a tv e volta a cadeia
Autor: -Ruether,Graça Magalhães ; Malkes, Renata
Fonte: O Globo, 11/12/2010, O Mundo, p. 41

Ativistas de direitos humanos condenam a aparição forçada. Amorim se diz decepcionado e reforça oferta de asilo

BERLIM e RIO. O promotor-geral da cidade iraniana de Tabriz, Moussa Khalilolahi, garantiu ontem que as informações sobre a libertação de Sakineh Mohammadi Ashtiani, a mulher condenada à morte no Irã por adultério e pelo suposto assassinato do marido, não passam de mentiras. A rede semiestatal Press TV, que na véspera divulgara fotografias da condenada em casa, também negou a informação. Num comunicado, a emissora afirmou ter obtido permissão especial da Justiça para que Sakineh fosse conduzida por três dias à sua residência, na cidade de Osku, para gravar uma reconstituição do crime ¿ exibida ontem, em horário nobre, na qual Sakineh admite sua culpa.

¿ Não há nenhuma mudança em sua condição legal. O caso está seguindo todos os procedimentos normais e legais. Sakineh Ashtiani está presa e qualquer notícia sobre sua libertação da cadeia de Tabriz é pura mentira ¿ afirmou Khalilolahi.

Irã lamenta pressão de países amigos, como o Brasil

Ao anunciar o documentário sobre Sakineh, na noite de ontem, a Press TV acusou Israel e EUA de estarem por trás da campanha internacional pela libertação da prisioneira. O programa ¿Irã Hoje¿ lamentou também o fato de que até países amigos do Irã ¿ como Brasil e Turquia ¿ aderiram à campanha. Foi a primeira vez que Sakineh, de 43 anos, foi vista em público desde a prisão, em 2006. Diante da mobilização internacional por sua vida, nos últimos meses, a TV local exibiu três supostas confissões da iraniana ¿ mas, em cena, havia uma mulher com o rosto desfocado e a voz distorcida por recursos técnicos, que impedia a confirmação de que se tratava mesmo de Sakineh.

Em São Paulo, o chanceler Celso Amorim, se disse desapontado, apesar de ressaltar que o Brasil não vai intervir em assuntos internos do Irã:

¿ Fiquei meio decepcionado. Ontem (anteontem), fiquei esperançoso. O presidente Lula fez um apelo e o assunto foi tratado diversas vezes com as autoridades do Irã. Acho que ajudamos um pouco. O apedrejamento foi afastado, mas seguem outras preocupações. O presidente já disse que ela seria recebida no Brasil, se isso ajudar. Essa proposta continua de pé.

A Anistia Internacional condenou a aparente coação da confissão na TV: ¿Os padrões internacionais de julgamento justo, dos quais o Irã faz parte, garantem o direito de não forçar ninguém a se incriminar ou confessar culpa. Organizar uma confissão televisionada de um caso sério, no qual a vida de uma mulher corre risco, transforma em piada o Judiciário do Irã¿, diz a organização.

A suposta libertação foi anunciada na quarta-feira à diretora da ONG Comissão Internacional contra a Pena de Morte e o Apedrejamento, Mina Ahadi. Fontes iranianas telefonaram a Ahadi contando que Sakineh fora solta com o filho, Sajjad Asgharzadeh ¿ preso desde outubro, em Teerã, com dois jornalistas alemães do diário ¿Bild¿ durante uma entrevista. Segundo os informantes, além de mãe e filho, os dois alemães e o advogado da família, Hotan Kian, também estariam livres. Posteriormente, a decisão teria sido revertida.

Ontem, Ahadi condenou o episódio e lembrou que o futuro da prisioneira é incerto. Sakineh ainda pode ser executada.

¿ O regime islâmico brinca com a opinião pública internacional. Voltamos à estaca zero ¿ resignou-se a ativista.

Ela reconheceu ontem ter havido confusão sobre o email que teria recebido de Sajjad dizendo já estar em casa com a mãe. A mensagem com a informação, na verdade, foi enviada por fontes suas no Irã.

Confissões forjadas na TV são recorrentes, diz analista

Embora cruel, a retirada temporária de Sakineh da prisão para um documentário televisivo não surpreende analistas ouvidos pelo GLOBO. Segundo o diretor executivo da Campanha Internacional pelos Direitos Humanos no Irã, Hadi Ghaemi, o episódio é uma tentativa desesperada do governo de convencer a opinião pública internacional sobre a culpabilidade de Sakineh para se livrar, de vez, das pressões sobre o caso:

¿ A Justiça iraniana mudou de estratégia. Sakineh ganhou notoriedade pela acusação de adultério. Hoje, o objetivo é fazer drama para embasar a acusação de assassinato. A prática de retirar presos da cadeia para confissões forjadas e televisionadas é muito comum no país.

Já o analista político Meir Javedanfar aponta o racha que o caso causa no governo. Segundo ele, não porque haja quem defenda a vida da condenada, mas porque o caso ganhou dimensões tão grandes que desvia o foco principal do governo iraniano ¿ o programa nuclear.

¿ No Irã, a palavra de uma mulher vale a metade da de um homem. Há vozes opostas no governo, preocupadas com a pressão internacional, mas ao mesmo tempo questionando por que se preocupar com uma ¿reles¿ mulher quando o foco maior são os interesses nucleares ¿ afirma o analista.