Título: Na cada vez menor Cumaru, êxodo ainda é melhor sinônimo de esperança
Autor: Lins, Letícia
Fonte: O Globo, 12/12/2010, O Páis, p. 13

Cidade pernambucana viu população encolher 37,55% na última década; já vizinha cresceu 63,44%

CUMARU E TORITAMA (PE). Ao longo da rodovia PE-90, que dá acesso a Cumaru, região agreste de Pernambuco, há construções abandonadas, algumas em ruínas. No povoado de Matias, o lavrador Ailson Vilela de Lima, de 30 anos, virou um morador solitário. De quatro casas conjugadas construídas no meio da caatinga, só a dele permanece ocupada. Os vizinhos se foram em busca de oportunidades em cidades próximas como Toritama e Caruaru, ou mais distantes como São Paulo. Um fenômeno cada vez mais comum ao município, que ao longo da última década viu a população encolher 37,55%. De acordo com o Censo do IBGE, eram 27.489 moradores em 2000. Agora são 17.166, dos quais 53,2% residem na área rural, já que a base da economia é a agricultura de subsistência. As outras fontes de renda provêm de aposentadorias rurais, do emprego público na prefeitura ou do Bolsa Família.

Na área rural, a maioria tem dezenas de parentes e amigos que deixaram o município. Ailson foi o único entre os entrevistados que chegou recentemente. Veio de Riacho das Almas - a 131 quilômetros do Recife - mas só para ficar perto da namorada. Com curso fundamental concluído e um único registro de emprego em sua carteira profissional, ele está tentando viver da roça e como biscateiro nas horas vagas. Mas é difícil:

- Só vim porque arrumei mulher. É triste ver o povo ir embora. Estou fazendo bico de servente e pedreiro, mas não tem mês em que consiga fazer meio salário mínimo - reclama.

A agricultora Maria da Paz Barbosa, de 38 anos, tem nove irmãos. Somados a cunhadas e sobrinhos, foram 17 parentes que se mudaram para cidades como Recife, Bezerros, Gravatá ou Toritama, que oferecem melhores oportunidades de emprego. Morador do sítio Água Doce de Baixo, o lavrador Heleno José da Silva, de 32 anos, já perdeu as contas dos familiares que deixaram Cumaru.

- É para mais de dez. Muita gente foi para Toritama, trabalhar em costura - diz, enquanto tange jumentos carregados de folhas de palma, cactácea usada como ração para o gado.

"Tudo vai piorar", diz secretária

Morador do Sítio Tábua, João Inácio Barbosa Filho, de 38 anos, é vaqueiro e já pensou muito em ir embora, como fizeram duas irmãs, duas tias e uma prima que vivem em São Paulo:

- Não fui porque tenho medo de aventurar. Não tenho leitura (ele é analfabeto), nunca tive escola, fui criado e nascido na roça. Se sair, posso sofrer no meio do mundo e não ter como voltar. Resolvi ficar.

Segundo a presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais, Nadijane Maria Peixoto, são 62 comunidades rurais, e o sindicato tem três mil associados, mil dos quais não estão em dia.

- Muitos procuram o sindicato para conseguir benefício da Previdência. Em Cumaru, sempre houve êxodo, e muitos que ficam - entre filhos e netos - dependem de aposentadorias de pais e avós. Temos uma represa aqui perto, a de Jucazinho, mas a água só beneficia três sítios. A irrigação não chegou, e nada mudou.

Segundo a secretária de Finanças, Fátima Tavares, o encolhimento populacional vai reduzir em 25% a receita do município. Serão R$150 mil mensais a menos, R$1,8 milhão por ano. A Prefeitura tem 780 servidores, dos quais ela confirma que 150 serão realmente cortados, para se adequar à Lei de Responsabilidade Fiscal:

- Os recursos do FPM (Fundo de Participação dos Municípios) vão encolher. Isso significa que vamos aplicar menos em agricultura, infraestrutura, saúde, educação. Tudo vai piorar.

Desde 2008,o número de alunos matriculados vem caindo, provavelmente devido ao êxodo dos pais. Segundo a prefeitura, 25% do orçamento se destinam à educação, e 15%, à saúde. Mas os moradores se queixam de que há dois anos o hospital da cidade não realiza uma só cesariana e que mesmo partos normais têm sido enviados para municípios maiores. O GLOBO procurou o prefeito Eduardo Gonçalves Tabosa Júnior (DEM), mas ele não foi localizado.

Bem perto de Cumaru, no município vizinho de Toritama, aconteceu exatamente o inverso: entre os dois Censos, ganhou 13.631 novos moradores, um aumento de 63,44% em apenas dez anos, mais de cinco vezes superior ao registrado no estado (11,08%), no Nordeste (11,18%) e no Brasil (12,33%).

O problema é que a cidade não cresceu. Ela inchou tanto que na chamada capital do jeans - localizada a 170 quilômetros de Recife - falta tudo: escolas, água, saneamento básico, praças, mão de obra qualificada. O que sobra é só emprego.

Hoje Toritama tem 35.631 moradores, que se comprimem em 31 quilômetros quadrados, o menor território entre os 184 municípios pernambucanos. Como se isso não bastasse, 94% da população se concentram na área urbana. Além disso, Toritama tem população flutuante diária fixa de cerca de 15 mil pessoas, segundo o prefeito Flávio de Souza Lima, e dez mil de acordo com Fredi Maia, presidente do Sindicato da Indústria do Vestuário de Pernambuco.

Em Toritama, 2.700 fábricas

São homens e mulheres que residem em regiões vizinhas e acorrem à cidade, para trabalhar nas suas 2.700 indústrias. Juntas, essas empresas consomem 15% do jeans produzidos no Brasil e fabricam 5 milhões de peças por mês.

As peças são comercializadas permanentemente em um grande centro de compras da cidade com 600 boxes, sendo que, às segundas, o centro é tomado por 1.700 bancos de feira para comercialização das confecções que rodam o comércio popular de todo o país e até do exterior. Por isso, há dias em que o município recebe mais de 30 mil visitantes. Até mesmo as rodovias federais e estaduais de acesso a Toritama já enfrentam grandes engarrafamentos.

Marília K. da S. Oliveira, de 28 anos, veio de Cumaru há quatro anos. Ela concluiu o ensino médio em 2005, não fez vestibular e chegou a montar uma microempresa de "aprontamento" em Toritama. Nela trabalhavam dez pessoas, inclusive duas irmãs.

- Bati muito botão, tachinha, tirei ponta de linha, embalei mercadoria. Mas o serviço era muito pesado. Normalmente as confecções entregam os produtos entre quarta e quinta. E o pessoal do aprontamento trabalha de quarta a terça, não tem sábado nem domingo, ganha por produção. Deixei o negócio e hoje trabalho em uma facção (indústria terceirizada que funciona como suporte de empresas maiores, de onde recebem as peças cortadas para costura).

Mas a cidade está longe de atingir um desenvolvimento sustentável, embora seus índices de crescimento sempre supreendam. De acordo com Fredi Maia, a indústria local fatura R$100 milhões por mês, cerca de R$1,2 bilhão por ano.

- É um faturamento absurdo para uma cidade daquele tamanho e grande parte proveniente de duas mil empresas informais. Os problemas continuam sendo a mão de obra qualificada e a ausência do Estado. A cidade é desorganizada, com construções irregulares, não possui saneamento, a água das indústrias e dos esgotos domésticos escoam para o Rio Capibaribe - reclama Fredi.

- O crescimento de cidades médias é uma macrotendência não só no Nordeste, mas em todo o país. Se, no século XX, a tendência da população era vir para grandes cidades, no século XXI é a vez das médias, cujas economias se dinamizaram. Não se pode ver o esvaziamento de Cumaru como uma tragédia. Quanto a Toritama, cabe à prefeitura o ordenamento. O que os estados podem fazer é ajudar com investimentos para áreas como o saneamento - diz Tânia Bacelar, diretora da Consultoria Econômica e Planejamento (Ceplan).

No município, moradores reclamam da carência de áreas de lazer e do atendimento à saúde.

- É tanta gente procurando hospital, que os médicos só dão vez quando a gente está na hora da morte. Os serviços não acompanham o crescimento da cidade. Falta médico no hospital - reclama a costureira Maria Dolores de Lima, de 53 anos.

O prefeito reconhece o problema e afirma que o município vem perdendo R$2 milhões por ano por conta de pendências deixadas pelo seu antecessor. O problema da educação - que resulta em falta de mão de obra qualificada - é outro que perdura há décadas.

- A última escola municipal construída em Toritama tem 28 anos, e a estadual foi feita nos anos 60 - diz Edilson Torres da Silva, secretário de Planejamento.