Título: Depois de PIB histórico, Dilma enfrentará cenário adverso em 2011
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 12/12/2010, Economia, p. 42

NA ROTA DO CRESCIMENTO: Freio nos EUA preocupa

BRASÍLIA. A presidente eleita Dilma Rousseff herdará um país com o melhor desempenho econômico desde a redemocratização - o Produto Interno Bruto (PIB) terá uma expansão de, pelo menos, 7,5% em 2010. Mas os panoramas doméstico e internacional mostram que não será nada fácil a tarefa de manter o crescimento elevado nos próximos quatro anos. Como se não bastasse o desafio de sustentar um resultado histórico, o novo governo tem pela frente, logo em seu primeiro ano, um cenário de inflação interna em alta e de crise nos países desenvolvidos.

Combinados, esses problemas têm o potencial de atingir em cheio a atividade no país. Tanto que os técnicos do governo já reduziram sua projeção de crescimento de 5,5% para algo entre 4% e 5% em 2011.

A escalada dos preços de alimentos - embora seja sazonal - é um fator de preocupação para a equipe econômica, que pode acabar elevando os juros no ano que vem para manter a inflação dentro da meta:

- Se não houver um controle dos preços de alimentos, pode-se acabar aumentando juros para compensá-lo. Isso acaba contendo também o crescimento - admite um técnico do governo.

No front externo, a crise fiscal na Europa e o desaquecimento dos Estados Unidos não têm mostrado qualquer sinal de melhora. Isso significa que as exportações brasileiras devem continuar enfrentando dificuldades, o que complica a vida do Brasil na hora de financiar seu déficit externo. O indicador deve fechar o ano em 2,5% do PIB, segundo o Ministério da Fazenda. Para 2011, o cenário é ainda mais negativo: 2,7% do PIB.

- Não há perspectiva de melhora na Europa. Já nos Estados Unidos, o Congresso deve colocar o presidente Barack Obama contra a parede e obrigá-lo a fazer um ajuste fiscal (o que deixa a economia ainda mais estagnada) - afirma o técnico.

Eventuais melhoras só começarão a dar sinais a partir de 2012. Até lá, com a demanda internacional fraca, as exportações brasileiras devem continuar sofrendo com menos compradores e perdendo espaço no mercado internacional em função do câmbio.

Colapso na Europa levaria a saída de capitais do Brasil

Em relação à Europa, o grande temor está na piora do quadro fiscal de países como Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha. Hoje, o Brasil é atraente para investidores estrangeiros que buscam rentabilidade nas taxas de juros elevadas do país. Mas, como esses aplicadores também têm recursos na Europa, tudo pode mudar de uma hora para outra:

- No caso de um colapso geral na União Europeia, pode haver saída de capital do Brasil para socorrer negócios e fechar rombos fora do país. Aí passamos de um quadro de excesso de entrada de dólares para o risco de uma saída muito brusca - alerta o economista e e ex-diretor do Banco Central Carlos Eduardo de Freitas.

E, se nos últimos dois anos o que salvou o crescimento brasileiro foi o mercado doméstico (que se manteve aquecido graças a medidas de incentivo como desonerações tributárias), agora o panorama é outro. A ordem da presidente eleita é combater a escalada da inflação e colocar a política fiscal em ordem, fazendo cortes de gastos e cumprindo a meta cheia de superávit primário. Tudo isso tem o poder de reduzir a atividade no mercado interno.

Segundo o economista do BNDES Fábio Giambiagi, para concretizar o discurso de austeridade fiscal, a equipe econômica não poderá exagerar nas concessões, o que significa que não poderá reduzir tributos e capitalizar o BNDES nas mesmas proporções dos últimos anos. O cenário internacional adverso agora implica cuidados na hora de adotar novas medidas:

- Fazer política anticíclica agora é mais difícil do que foi em 2008 e 2009.

Risco de deterioração nas contas externas

Para ele, o governo tem que observar seu déficit em conta corrente com lupa:

- Se o mundo estiver caminhando para uma normalização do quadro das economias, o Brasil tem condições de financiar seu déficit externo. Mas se houver uma deterioração, a situação se complica.

Além disso, há o problema da guerra cambial. Com o mercado doméstico desaquecido, países como Estados Unidos, Alemanha e Japão estão fazendo esforços para tentar desvalorizar suas moedas e dar mais competitividade a suas vendas externas. Na outra ponta está a China, maior exportador mundial, que mantém o yuan desvalorizado artificialmente para vender mais. Tudo isso faz com que o real fique excessivamente forte, retirando competitividade dos produtos nacionais.

Segundo os técnicos da área econômica, o grande desafio é a recuperação da economia global, que ainda é frágil e não se deu para todos. A guerra cambial não acabará enquanto os países desenvolvidos não se recuperarem.

- O Brasil não quer a situação de cada um por si - disse um técnico.

Embora o Brasil tenha adotado medidas como aumentar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para conter os efeitos ruins sobre o câmbio, elas não bastam.

- É preciso que outras medidas sejam adotadas pelas outras nações. A grande resposta virá, de todo modo, da recuperação global mais equilibrada - explicou ele.

O economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, destaca que o mercado doméstico continuará sendo o motor da economia nos próximos quatro anos. Ele acredita que a economia brasileira ainda tem condições de crescer em torno de 5%, mas para isso o governo precisará dosar muito bem a política fiscal:

- Ele pode até cortar investimentos, mas, se souber administrar as despesas, a área fiscal vai ficar bem e o crescimento da economia vai se concretizar.