Título: Cancún aprova Fundo Verde para países pobres
Autor: Alencastro, Catarina
Fonte: O Globo, 12/12/2010, Saúde, p. 51

Pela primeira vez, convenção da ONU fecha acordo sobre aquecimento; florestas tropicais serão beneficiadas

CANCÚN. Em um desfecho que tomou contornos dramáticos, no meio da madrugada, a Conferência Climática da ONU decidiu adotar o Acordo de Cancún, apoiado por 193 dos 194 países-membros da Convenção das Partes sobre Mudanças Climáticas da ONU ¿ a Bolívia foi a única a recusar o tratado. O acordo estabelece a criação de um Fundo Verde, destinado a países pobres, e a doação de recursos exclusivos para conservar florestas tropicais. Foi a primeira vez que uma convenção das Nações Unidas destinada à discussão de clima chancelou o alerta de cientistas ¿ inclusive reconhecendo que os esforços atuais são insuficientes ¿ e definiu valores e despesas para combater os efeitos do aquecimento global.

Não houve, porém, avanços em relação à imposição de limites para as emissões de carbono. Estes números serão o carro-chefe da próxima etapa do Protocolo de Kioto, que quase foi morto durante a conferência. Mas as regras de sua próxima fase, com início previsto em 2013, serão definidas apenas na conferência do ano que vem, em Durban, na África do Sul.

O Fundo Verde financiará a adaptação de países pobres e emergentes aos efeitos das mudanças climáticas, assim como sua migração para uma economia de baixo carbono. Até 2012, o fundo mobilizará US$30 bilhões. Depois, e até 2020, contará com US$100 bilhões anuais. Os recursos serão arrecadados entre os países ricos.

Outro mecanismo criado após longas negociações foi um incentivo a grandes potências florestais, como Brasil, Indonésia e Congo, à preservação de suas florestas, reduzindo as emissões geradas pelo desmatamento. Este problema é responsável por cerca de 15% da liberação global de gases-estufa.

Os países também decidiram implementar um Comitê de Adaptação, que será responsável por coordenar a ajuda que os países mais pobres e vulneráveis receberão dos ricos para pôr em prática planos de redução de riscos de desastres.

Sem avanços nas metas de emissões de carbono

Em relação ao combate às mudanças climáticas, o Acordo de Cancún limita-se a reconhecer a necessidade de evitar o aumento da temperatura da Terra em mais de 2° C até o fim do século. A partir deste índice, segundo os cientistas, os efeitos climáticos serão catastróficos e irreversíveis. Até agora o mundo já esquentou 0,7 °C desde a Revolução Industrial.

As novas metas de redução de gases-estufa começariam a vigorar em 2013, após o término do Protocolo de Kioto, em 2012. O tratado é, atualmente, o único mecanismo que obriga países industrializados a limitar a quantidade de poluentes que lançam na atmosfera.

¿ Manter Kioto é essencial para obter um impacto substancial contra as mudanças climáticas ¿ assegurou a ministra do Meio Ambiente do Brasil, Izabella Teixeira, que deu nota 7,5 aos resultados obtidos durante a convenção.

Embora tenha falhado em definir um limite para as emissões, o desfecho da conferência de Cancún foi considerado um avanço pelos líderes mundiais.

¿ Dissemos que Cancún podia. E Cancún pôde ¿ comemorou o presidente do México e anfitrião da conferência, Felipe Calderón.

Em telefonema ao mexicano, o presidente dos EUA, Barack Obama, afirmou que Cancún ¿avançou nos esforços para enfrentar as mudanças climáticas¿.

O diretor de Política Climática do Greenpeace, Wendel Trio, foi mais cauteloso ao comentar os resultados do encontro.

¿ Cancún pode ter salvo o processo de negociação da ONU, mas não salvou o clima.

A Bolívia foi o único país que se recusou a aceitar o Acordo de Cancún, argumentando que as medidas ali previstas são insuficientes para estancar os problemas climáticos responsáveis pela morte de pelo menos 300 mil pessoas por ano. Seus negociadores quiseram impedir a consagração do resultado, lembrando que, nas convenções das ONU, uma decisão só pode ser adotada se contar com o aval de todos os seus membros.

¿ Para nós, esta decisão não dá um passo adiante. Não podemos romper a regra que de que vale o consenso. E não há consenso ¿ protestou o embaixador boliviano Pablo Solón.

A presidente da conferência, Patricia Espinosa, argumentou que consenso não significa unanimidade, e que um país isolado não pode vetar uma decisão tomada por todos os outros. E assim declarou a consagração do Acordo de Cancún sob aplausos empolgados da plateia de negociadores.