Título: Obama e o medo de uma China verde
Autor: Grandelle, Renato
Fonte: O Globo, 13/12/2010, O Mundo, p. 30

LONDRES. Os EUA continuam à mercê dos gigantes do petróleo. Mas Cancún sinalizou que as economias emergentes poderão dominar o mercado verde. Para muitos observadores, o progresso obtido no México precisa ser olhado com atenção. Os pactos sobre florestas, assistência aos países pobres e o estabelecimento do Fundo Climático podem ter impacto real. Cancún também abriu caminho para que Durban seja mais promissora. A China e a Índia usaram Cancún para reconstruir sua reputação, abalada em Copenhague, e partiram para negociações pragmáticas.

Foi a Índia que quebrou o impasse sobre o monitoramento de emissões, deixando os EUA na berlinda se tentassem não ser transparentes em comprometimentos como ajudar os países pobres. E foi a China que propôs soluções para a retomada de Kioto, num discurso impensável há um ano. China e Índia também confirmaram sua disposição de considerar metas compulsórias de cortes de emissões, surpreendendo até em casa.

Essas novas posições refletem mudanças importantes na geopolítica do clima. Primeiro, a falência da legislação americana para o clima, deu a esses países mais tempo para cortarem suas próprias emissões. Ao mesmo tempo, esses países têm mostrado mais confiança em investir na economia de baixo carbono, compreendendo que só têm a ganhar em segurança energética, além do potencial em exportação. Em breve, veremos a China pressionando o resto do mundo para fechar um acordo forte contra as mudanças climáticas.

Os EUA, claro, não vão abrir mão de qualquer arena em que a China pareça confiante. Cancún não foi exceção. O governo Obama, uma vez visto como salvação do clima mundial, passou a maior parte da conferência tentando bloquear qualquer avanço. Os EUA deixaram seus antigos aliados perplexos. A posição pode refletir algo mais profundo do que um isolacionismo obstrutivo.

No começo deste ano, quando se tornou claro que as reformas democratas sobre energia limpa iriam fracassar, um dos defensores da legislação climática no Congresso, o senador republicano Lindsey Graham, fez um pronunciamento profético: ¿Há seis meses minha maior preocupação era que um acordo de emissões pudesse fazer os EUA menos competitivos que a China. Agora a minha preocupação que é cada dia de atraso nosso em entrar na economia de baixo carbono é um dia que a China usa para dominar a economia verde¿.

Desde então, temos visto o governo começar a agir para tentar bloquear o avanço chinês. Enquanto isso o domínio das companhias de carvão e petróleo sobre a política americana, asseguram que os EUA não conseguirão competir. E isso nos trás o último grande jogador em Cancún ¿ o Grande Carbono. A influência das companhias de óleo nas negociações é maior do que a de muitos países. Por trás da relutância do Japão, havia empresas poluidoras. Não é surpresa que muitas das mesmas companhias tenham embarcado os EUA numa viagem letal de dependência do petróleo.

O presidente Obama sabe que para quebrar esse ciclo vicioso, ele precisa abrir espaço para a indústria verde americana. Se ele fizer isso, estará determinando o futuro da economia de seu país.

JOSS GARMAN é ativista do Greenpeace inglês