Título: Chávez usa enchentes em manobra para governar por decreto durante 1 ano
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 15/12/2010, O Mundo, p. 35

Com o claro objetivo de anular o poder da nova Assembléia Nacional que assumirá no dia 5 de janeiro com uma importante participação da oposição, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, apresentou ontem o quarto projeto de Lei Habilitante de sua gestão (o último foi em 2007), que permitirá ao líder bolivariano governar por decreto durante todo o ano de 2011. Para dirigentes da oposição e juristas venezuelanos, a nova lei, que será votada amanhã, é um cheque em branco para Chávez aprofundar sua revolução em matéria política, social e econômica, num ano em que seu país começa a preparar o terreno para as eleições presidenciais de 2012.

Desta vez, o argumento usado pelo Palácio Miraflores (sede do Executivo venezuelano) para justificar a nova ofensiva chavista no Parlamento foi a necessidade de ajudar as cerca de 33 mil famílias afetadas pelas fortes chuvas que assolaram o país nas últimas semanas e provocaram a morte de, pelo menos, 40 pessoas. Segundo afirmou o vice-presidente, Elías Jaua, o governo usará os poderes especiais concedidos pela Lei Habilitante para atuar em áreas como habitação, infraestrutura e segurança. No entanto, a explicação oficial não convenceu a oposição, que ontem organizou um protesto em frente à Assembleia, para denunciar o que considera uma nova fraude chavista.

- Pela primeira vez na História de nosso país, uma Assembleia Nacional que já está de saída aprovará uma Lei Habilitante que condicionará a ação do novo Congresso - assegurou ao GLOBO o jurista Gustavo Linares Benzo.

Para ele, a iniciativa de Chávez é "um novo atentado à Constituição venezuelana, e a única saída que teria a oposição perante este novo atropelo institucional seria recorrer ao Tribunal Supremo, apesar de saber que a Justiça é controlada por Chávez - no ano passado, de um total de seis mil processos contra o Executivo, o governo perdeu apenas seis."

A agenda de discussões da atual Assembleia, totalmente controlada pelo chavismo, também inclui a reforma das leis de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão (a chamada lei Resorte) e Telecomunicações. Ambas iniciativas, que começaram a ser debatidas esta semana, despertaram grande preocupação entre empresas do setor.

A reforma da lei Resorte tem como objetivo ampliar o controle estatal do setor de comunicações, incluindo conteúdos que circulem na internet (em redes sociais como Facebook e Twitter) e outros meios eletrônicos.

Rádios privadas correm risco de desaparecimento

Já a modificação da lei de Telecomunicações representa, segundo autoridades da Câmara Venezuelana de Radiodifusão, uma grave ameaça às emissores de rádio e TV do país. O texto, elaborado pelos deputados chavistas, estabelece, por exemplo, que canais de TV como a Globovisión - vítima de uma constante perseguição por parte do Palácio Miraflores - deverão solicitar uma autorização especial para transmitir por TV a cabo. Atualmente, a Globovisión tem acesso somente ao sinal de TV aberta em Caracas e na cidade de Valencia.

- Está claro que se esta lei for aprovada, o governo não dará autorização à Globovisión para continuar transmitindo por TV a cabo, como aconteceu com a RCTV - lamentou o presidente da Câmara, Nelson Belfort.

Segundo ele, o projeto de reforma da lei de Telecomunicações também proibirá a continuidade das parcerias entre emissoras de rádio privadas do país. Hoje, com exceção das estatais, as emissoras privadas da Venezuela não têm capacidade para alcançar todas as cidades do país e dependem dos chamados "circuitos de rádio" - a lei permite que 30% da programação sejam retransmissões de outras emissoras - para ter cobertura nacional. Se o projeto chavista obtiver sinal verde, as rádios privadas venezuelanas passarão a ser apenas locais e poderiam correr sério risco de desaparecimento.