Título: Para EUA, eleição adiou decreto florestal
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 15/12/2010, O Mundo, p. 36

Embaixador era favorável à redução do tamanho das reservas legais na Amazônia

BRASÍLIA. As eleições de outubro encorajaram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a adiar para junho de 2011 o início da vigência do decreto que pune fazendeiros que ainda não averbaram suas áreas de Reserva Legal - que é registrar as terras no órgão ambiental. A avaliação do embaixador americano em Brasília, Thomas Shannon, faz parte de um relato feito a Washington sobre a polêmica que envolve a revisão do atual Código Florestal, num dos telegramas divulgados pelo site WikiLeaks.

Enquanto constata que o Código Florestal "nunca foi efetivamente implementado" e alerta que a punição dos infratores pode alimentar "reações violentas", o diplomata apresenta argumentos favoráveis à redução de 80% para 50% do tamanho das reservas legais das terras na Amazônia, um dos pontos mais controversos do projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados. Além da redução da reserva, o texto em debate abre caminho para a anistia de ocupação ilegal em margens e encostas e para a definição de regras estaduais de definição dos limites das reservas legais.

Datado de 10 de fevereiro deste ano, o telegrama discorre sobre a polêmica provocada desde a edição do decreto 6.514, de julho de 2008, que regulamentou a Lei de Crimes Ambientais, e abriu o caminho para a mobilização dos produtores rurais pela revisão do Código Florestal. Segundo Shannon, o decreto transformaria em criminosos "mais de três milhões de agricultores" e deixaria um milhão deles em posição de "perder suas propriedades".

Inicialmente, a intenção do governo era obrigar a averbação das reservas legais a partir de julho de 2008. O prazo foi estendido para dezembro de 2010 e, finalmente, ficou para junho de 2011.

Embaixador americano temia aumento da tensão

O americano informa que o adiamento foi apoiado pelo então ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, e aceito pelo então ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, que "procurou fazer o melhor" para conter as reações adversas. Em seguida, Shannon comenta:

"Não é nenhuma surpresa que o governo tenha evitado transformar milhões de fazendeiros em criminosos que poderiam perder suas terras; especialmente à luz das eleições programadas para outubro de 2010", afirma o embaixador.

Alerta ainda que o cumprimento dos prazos previamente estabelecidos para a averbação das reservas poderia aumentar a tensão entre ruralistas e ambientalistas, criando espaço para a violência no campo.

"Se o governo levar adiante a ideia de penalizar um grande número de proprietários de terra que violam o Código Florestal, pode esperar uma dura oposição e até mesmo violenta reação, como ocorreu no município de Tailândia (PA) no último ano", afirmou Shannon no telegrama.

Naquela cidade, em fevereiro de 2009, a Polícia Federal e a Força Nacional de Segurança tiveram que dar suporte aos fiscais do Ibama, ameaçados pela comunidade temerosa com o fechamento das madeireiras e o posterior aumento do desemprego na região.

O telegrama de Shannon ressalta uma suposta fragilidade legal da medida provisória editada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 1996, que criou a reserva legal de 80% na Amazônia. Destaca que, "mesmo que o Congresso nunca tenha votado a MP, ela é vista como tendo efeito de lei". Diz ainda que o retorno ao patamar de 50% de reserva legal "tornaria possível o campo viável para um grande número de fazendeiros que não poderiam se sustentar com a cobrança de uma reserva legal de 80%".

Para reforçar sua tese, Shannon lembra que as medidas já adotadas pelo governo, sem punir os agricultores que não definiram reserva legal de 80%, já provocaram uma queda no desmatamento na Amazônia de 21,5 mil quilômetros quadrados, em 2002, para 7 mil quilômetros quadrados, em 2007.

"Se os índices de desmatamento continuarem a cair, os ambientalistas podem demonstrar maior disposição para um compromisso mais pragmático (no debate) do Código Florestal, quando for retomado em 2011", conclui.