Título: Brasileiro come mais e pior
Autor: Liana Melo
Fonte: O Globo, 17/12/2010, Economia, p. 33

Cai consumo de arroz e feijão e cresce o de gordura, açúcar e alimento industrializado

Dinheiro no bolso não é sinônimo de boa alimentação. O tradicional arroz e feijão está perdendo espaço na mesa dos brasileiros para alimentos industrializados e comidas semiprontas. O consumo destes alimentos de conveniência está crescendo em todas as classes sociais, porém de forma mais expressiva na base da pirâmide social brasileira, mostram duas pesquisas divulgadas ontem pelo IBGE. Os números confirmam o alerta feito pelo Ministério da Saúde esta semana de que, mantido o ritmo atual de ganho de peso dos brasileiros, o país poderá ter níveis de obesidade semelhantes aos dos Estados Unidos em 2022.

A mudança de hábito alimentar foi constatada pelo IBGE em duas pesquisas feitas em parceria com o Banco Mundial (Bird) e o Ministério da Saúde: "Aquisição alimentar domiciliar per capita" e "Avaliação nutricional da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil". Ambas foram baseadas nos dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF). Segundo especialistas, o Brasil virou um alvo para os grandes fabricantes mundiais de alimentos que, ao fugirem de mercados saturados procuraram aqui o consumidor ávido que perderam lá fora.

"A fome deu lugar a obesos e anêmicos"

As pesquisas mostraram que, das calorias consumidas em casa, 16,4% vêm dos açúcares livres, acima dos 10% recomendados por nutricionistas. Assim como a gordura saturada, que, na média nacional é de 8,3%, mas entre aqueles que ganham acima de R$6.225 já representa 10,6%, também rompendo a barreira dos 10%.

- Estamos vivendo uma transição nutricional, onde a fome deu lugar a obesos e anêmicos - pontua o sociólogo Marcelo Medeiros, da UnB. - Com a ascensão da classe C, passou-se a consumir alimentos ricos em calorias e pobres em nutrientes.

Ainda que o consumo de refeições prontas e misturas industrializadas seja mais elevado entre os brasileiros com renda acima de R$6.225 (8,3%), é entre os pobres, com renda até R$830, que o consumo dobrou de 1,1%, em 2002-2003, para 2,1%, em 2008-2009.

- Campanhas publicitárias milionárias e extremamente eficazes ampliam as vantagens dos produtos ultraprocessados - diz Carlos Monteiro, consultor da pesquisa do IBGE e professor do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).

O consumo de cereais e laticínios, por sua vez, caiu em todas as classes de renda. Na média nacional, cereais e derivados caíram de 35,5% do total de calorias consumidas em casa para 35,2%. Leite e derivados, de 6% para 5,8%. Já o de bebidas e infusões aumentou. No caso das bebidas alcoólicas, subiu de 0,5% para 0,7%. Por ser um produto típico de ascensão social, avalia Edilson Nascimento, coordenador da pesquisa do IBGE, foi um dos poucos em que o consumo cresceu.

A tentativa da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de regular a publicidade de produtos ultraprocessados está suspensa por uma liminar na Justiça Federal impetrada pela Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia).

Enquanto a Anvisa não consegue derrubar a liminar da Abia, o Ministério da Saúde promove articulação em outras frentes. A coordenadora-geral da Política de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, Ana Beatriz Vasconcellos, antecipou que já foi feito um acordo entre os países do Mercosul para exigir a rotulagem de açúcar nos produtos industrializados.

As pesquisas divulgadas ontem pelo IBGE dizem respeito apenas à alimentação dentro do domicílio. Comparando as duas pesquisas verifica-se que o total de calorias absorvido caiu de 1.791 para 1.611. Só que esta redução não contabiliza a alimentação fora do domicílio. A grande preocupação é com a obesidade da população, que impacta nos gastos com saúde pública. Em meados de 2011 será divulgado um novo estudo incluindo o consumo fora do domicílio. Se na POF 2002-2003, este consumo representava 24,1% das despesas com alimentação, pulou para 31,1% na POF 2008-2009.