Título: R$5 bi pra que mesmo?
Autor:
Fonte: O Globo, 19/12/2010, Economia, p. 29
Esta é a arrecadação anual de encargos cobrados na conta de luz usados em programas idênticos, revela estudo Ramona Ordoñez
Obrasileiro paga R$10 bilhões por ano em encargos cobrados na conta de luz, que foram criados para, por exemplo, subsidiar o fornecimento de energia à baixa renda e financiar o desenvolvimento de fontes alternativas, entre outros. Mas, do total de nove encargos em vigor, pelo menos quatro acabam sendo usados para custear os mesmos programas. E um deles nunca atendeu ao seu objetivo original. Juntos, esses encargos cruzados arrecadam cerca de R$5 bilhões ao ano. É o que mostra estudo do Instituto Acende Brasil, centro de estudos do setor elétrico, que, além de apontar a falta de transparência, diz que alguns poderiam ser extintos, reduzindo o peso nas contas de luz. Especialistas frisam também que o alto volume de recursos arrecadados não garante melhoria na qualidade do fornecimento de energia ao consumidor, obrigado a conviver com constantes apagões. Os encargos representam 8,77% atualmente da fatura mensal, o que representa um aumento nos últimos anos. O estudo - um levantamento detalhado dos tributos e encargos nas contas de luz no período de 1999 a 2008, com base em dados dos balanços das empresas - mostra que em 1999 eles representavam 6,17%. Para subsidiar o desenvolvimento de fontes complementares de energia (eólica, biomassa etc), por exemplo, foram usados recursos de três encargos, segundo a pesquisa: Reserva Global de Reversão (RGR), Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e Proinfa.
Especialistas defendem extinção
O presidente do instituto, Cláudio Salles, explica que, quando a CDE foi implementada para financiar o desenvolvimento de fontes alternativas, já existia o Proinfa, com o mesmo objetivo. A CDE também é destinada à universalização do acesso à energia e a subsídios à baixa renda. Já o programa Luz para Todos usa recursos da RGR e da CDE. A RGR, inclusive, jamais foi aplicada em sua finalidade original: indenização para retomada dos ativos em caso de falência ou término do contrato da concessionária.
- A sobreposição de encargos para uma mesma finalidade tira a transparência do setor - destaca Salles.
Segundo o instituto, a carga tributária que incide nas contas de luz é a maior entre todos os setores da economia: do valor pago pelos consumidores de energia, 45,07% são de impostos e encargos setoriais, enquanto a carga tributária média do país é de 35%. Os tributos nas contas de luz pularam de 35,92% em 2002 para 45,07% em 2008.
- Quase metade do que o consumidor paga de luz todo mês é de impostos e encargos. Governo e Congresso sempre estão criando novos encargos, que nunca são extintos - reclama Salles.
Entre os que deveriam ser extintos, ele cita a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), usada para compra de óleo combustível para as térmicas que geram energia nos chamados sistemas isolados na Amazônia:
- Na medida em que as linhas de transmissão vão sendo conectadas ao sistema isolado, a CCC deveria ser extinta. E o que está acontecendo é justamente que sua arrecadação só aumenta.
O especialista Raimundo de Paula Batista, da Enecel Energia, empresa que atua no mercado livre de energia, destaca que o consumidor paga caro, mas não vê retorno da pesada carga tributária e dos elevados encargos na qualidade do fornecimento de energia. Segundo ele, os custos na conta de luz vêm aumentando desde que o modelo do setor elétrico começou a mudar, em 2003. Batista defende a extinção de diversos encargos, que, para ele, não têm razão de existir, além de não achar justo que os consumidores arquem com programas sociais que cabem ao governo federal. - Por que o consumidor de energia tem de subsidiar a universalização da energia ou a baixa renda? Por que temos de arcar com custos de desenvolvimento de fontes alternativas? Isso é atribuição do governo - reclamou Batista.
Aneel: simplificação seria benéfica
O Ministério de Minas e Energia (MME) se defende afirmando que cada encargo tem uma finalidade própria, como prevenção de falhas no sistema e custeio de linhas de transmissão e distribuição. E que não há duplicidade na cobrança de encargos. "Em resumo, encargos são recursos gastos no próprio setor elétrico. Assim, não há duplicidade de cobrança", disse o MME, em nota enviada por e-mail ao GLOBO. O diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel, órgão fiscalizador do setor), Edvaldo Santana, por sua vez, garante que, apesar de serem usados recursos de diversos encargos para uma mesma finalidade, não está ocorrendo duplicidade na cobrança. Santana admite que uma simplificação na arrecadação dos encargos seria benéfica para gestores e fiscalizadores. No entanto, isso não resultaria em redução nas tarifas para os consumidores. Isso porque, segundo ele, os percentuais hoje cobrados em cada um desses encargos seriam, por exemplo, unificados.