Título: Produção sem muito estrago
Autor: Couto, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 17/07/2009, Brasil, p. 9

Mudanças na legislação dividem opiniões. Mas há consenso sobre a necessidade de aliar desenvolvimento a preservação

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Se a legislação ambiental fosse cumprida à risca, pelo menos três milhões dos cerca de cinco milhões de produtores rurais do país seriam punidos por infringir alguma norma entre os mais de 16 mil atos que regulam o Código Florestal. Entretanto, a carência na fiscalização permite que a degradação do meio ambiente no Brasil continue crescendo em níveis alarmantes. E a polêmica em torno do modo como cuidamos dos próprios recursos naturais promete ficar ainda mais apimentada com as propostas de alteração da lei que tramitam na Câmara dos Deputados. O tema vem provocando embates dentro do próprio governo e também no Congresso Nacional, entre ruralistas e ambientalistas. Apesar das opiniões divergentes, parlamentares ouvidos pelo Correio acreditam num acordo que possa aliar o desenvolvimento da produção rural à preservação dos biomas.

Defensor das alterações na lei, o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Reinhold Stephanes, diz que a aplicação do atual código, na íntegra, tornaria inviável a sustentação de importantes polos de produção do país. E o ministro é cauteloso ao comentar o assunto. ¿Tenho procurado tratar do tema com simplicidade, racionalidade e em cima de bases científicas¿, argumenta.

No entanto, Stephanes admite que algumas das mudanças na legislação ambiental, propostas pelo próprio Ministério da Agricultura, são polêmicas. Um dos temas que gera calafrios nos ambientalistas é o que diminui as áreas de proteção e preservação e ainda anistia produtores rurais que tenham degradado a natureza. ¿Modernizar o Código Florestal significa diminuir todas as proteções ao meio ambiente do país. As matas ciliares (sistemas que funcionam como reguladores do fluxo de água) serão atingidas drasticamente, o que pode representar um grande risco ao ecossistema¿, alerta Raul Du Valle, coordenador-adjunto do Programa de Política e Direito do Instituto Socioambiental.

Irracionalidade

Com a justificativa de que a lei não é contemporânea, a senadora Kátia Abreu (DEM-TO) também defende a discussão com embasamento científico. ¿Falta sensibilidade científica e política. Os governos fizeram graça com a legislação ambiental, e não falo somente do governo do presidente Lula. Isso vem se arrastando há anos no Brasil¿, critica a parlamentar, que preside a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA). Para ela, os estados deveriam legislar sobre questões ambientais ¿ hoje, prerrogativa da União.

Presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária e autor do Projeto de Lei nº 5367/09, que institui o Código Ambiental Brasileiro, o deputado Valdir Colatto (PMDB-SC) ressalta que não é possível um Código Florestal ser composto de 16,4 mil atos reguladores. ¿Isso faz com que quase tudo se transforme em problema¿, diz, acrescentando que o assunto será discutido tecnicamente em audiências públicas na Câmara após o recesso parlamentar.

Líder do PSB na Casa, o deputado Rodrigo Rollemberg (DF), integrante da Frente Parlamentar da Agropecuária e da Frente Ambientalista, minimiza a polêmica. ¿Percebi que ambas as partes ¿ ambientalistas e ruralistas ¿ têm consciência da necessidade de formulação de uma lei justa. Há boa vontade das duas partes¿, avalia. ¿Dentro de uma nova lei, vamos garantir o desenvolvimento da agricultura, sem esquecer da preservação dos biomas.¿

Gestão ambiental

Será lançado hoje, em Curitiba, o Instituto Life, que tem o objetivo de colaborar na construção de um novo padrão de gestão ambiental. O modelo é baseado no reconhecimento da importância da conservação da biodiversidade para a manutenção e qualidade dos negócios. Seu principal instrumento é a Certificação Life. Respaldado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pelo Ministério do Meio Ambiente, o instituto nasceu dos esforços da Fundação Avina, Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, Posigraf e Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS).

Pontos polêmicos

As alterações no Código Florestal (Lei nº 4771/65), como defendem os ruralistas, vêm provocando discussões calorosas dentro e fora do Congresso Nacional. Os ambientalistas são resistentes a qualquer mudança na norma atual. Confira os itens mais polêmicos das mudanças propostas:

Compensação financeira para os produtores rurais que preservam a natureza. Os proprietários de terras seriam beneficiados com créditos especiais, recursos, deduções, isenções parciais de impostos, tarifas diferenciadas, prêmios e financiamentos;

Cada estado deve legislar sobre sua política ambiental, o que hoje é prerrogativa da União;

Fim da obrigatoriedade de recompor as Áreas de Proteção Permanente (APPs) no mesmo bioma onde houve desmatamento;

Permissão para compor 50% da reserva legal com espécies exóticas ao bioma;

Manutenção das áreas ¿consolidadas pela agricultura¿, mesmo em biomas considerados ameaçados.