Título: Mercosul e seu futuro incerto
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Fonte: O Globo, 16/12/2010, Opinião, p. 6

Éprovável que, na reunião de hoje de presidentes de países do Mercosul, Lula faça um dos seus pronunciamentos emocionados. Pois, mais do que passar o posto de presidente do bloco para o Paraguai, Lula se despede do fórum. Depois de hoje, só em 2015 ou 2019, caso se candidate e se eleja novamente presidente.

Outra curiosidade da cúpula, no mínimo polêmica, é a proposta, levada pelo próprio Brasil, de criação de um cargo de alto representante do Mercosul. Para quê?

Ficou inevitável ironizar que gerar emprego sustentado pelo contribuinte é mesmo uma das habilidades de Lula. Não esquecer que a máquina pública brasileira e respectiva folha de salários incharam como poucas vezes nos oitos anos do presidente petista. Como não se enxerga qual a função objetiva deste executivo - mais do que isso: como não se sabe a forma pela qual o alto funcionário possa ajudar a desobstruir os gargalos existentes no bloco - também foi inevitável especular se o Brasil, em fase de troca de governo, mesmo que seja dentro do mesmo grupo político, não estaria tentando criar um emprego bem remunerado para algum companheiro fora dos planos de Dilma Rousseff para depois do dia 1º.

Não se pode imaginar que o ex-presidente Lula se veja no cargo. As especulações, é inexorável, terminam apontando para o ministro Celso Amorim.

Mas tudo isso é pouco para uma reunião de presidentes de um bloco comercial que enfrenta dificuldades há tempos. Do ponto de vista das estatísticas, o Mercosul passa por um bom momento: segundo a Cepal, as economias latino-americanas e caribenhas terão crescido este ano 6%, acima da média mundial. Devem desacelerar em 2011, para 4,2%, mas, diante da conjuntura europeia e norte-americana, não é um número ruim. Em grande parte, a região tem sido puxada pelo Mercosul, com um crescimento estimado de 6,6%. Só o Brasil, o carro-chefe, deverá passar dos 7,5%. A Argentina, por sua vez, se beneficia do empuxo brasileiro e também dos altos preços das commodities no mundo.

Mas, como a conjuntura mundial é incerta, pode pesar no futuro o fato de o Mercosul, por influência brasileira e argentina, ter poucos acordos bilaterais de comércio. Hoje, em Foz do Iguaçu, serão formalizados acordos com 11 países em desenvolvimento, para o corte de 20% em tarifas que incidem em boa parte das trocas comerciais entre eles e também com o Mercosul. Na lista aparecem Índia, Indonésia, Malásia, Coreia do Sul, Egito e Marrocos. Não compensará o que se deixou de ganhar com o fracasso da Rodada de Doha, mas é melhor do que nada. O Brasil e, por tabela, o Mercosul perderam muito tempo à espera de um desfecho positivo da negociação no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), chamada de Doha.

Outro ponto de interrogação é sobre a extrema dificuldade de o Mercosul ser mesmo um mercado comum. E está longe de ser, principalmente pela dificuldade de a Argentina expor sua economia à competição do Brasil. Além disso, existem a instabilidade institucional argentina e o espectro da Venezuela de Hugo Chávez, o qual os dois principais países do bloco insistem em abrigar no Mercosul, mesmo sendo ele um parceiro capaz de desestabilizar qualquer plano sério de novas alianças comerciais. Ainda é obscuro o futuro do Mercosul, um projeto que precisa ser fortalecido.