Título: Orçamento continua a ser obra de ficção
Autor:
Fonte: O Globo, 16/12/2010, O País, p. 6
A aprovação e o acompanhamento dos orçamentos públicos foram a razão de ser dos primeiros parlamentos no mundo. E até hoje e ssa é uma das funções mais importantes daqueles que se elegem para o Poder Legislativo. Além de discutir e avaliar as prioridades para os gastos públicos, cabe ao Legislativo dar a palavra final sobre se os contribuintes estarão em condições de arcar com o montante das despesas previstas.
Por causa da inflação crônica e aguda, por muitos anos elaborar orçamentos no Brasil se tornou uma tarefa inglória, e quase inócua, porque tanto a arrecadação como as despesas eram imprevisíveis. Simplesmente não se conseguia estimar esses valores com alguma margem de segurança.
Devido a esse longo período inflacionário, o país se acostumou a encarar os orçamentos públicos como obras de ficção. Nem a relativa estabilidade monetária proporcionada pelo real e o arcabouço institucional criado para que o Brasil enfim começasse a levar a sério a questão da disciplina fiscal foram suficientes para se avançar nessa área. Assim, inicia-se o exercício fiscal a cada ano sem se saber se o Orçamento Geral da União aprovado pelo Congresso é condizente com a realidade ou se na prática se resume a uma indicação para os gastos a serem realizados.
A comissão mista do Orçamento é numerosa, mas o empenho de vários de seus membros em favor da inclusão de emendas parlamentares é tamanho que, fora isso, tudo mais no que se refere aos gastos públicos perde relevância. E quando há interesses escusos por trás das emendas a situação fica mais séria.
É claro que as emendas parlamentares cumprem o papel de chamar a atenção de necessidades locais, até bem específicas, que, para serem resolvidas, precisariam de apoio federal. Mas muitas vezes reivindicações legítimas são usadas como biombos para esconder balcões de negócios.
Para acomodar todas essas pressões, que elevam o montante dos gastos, o Congresso acaba recorrendo a pretextos para reestimar as previsões de receitas (pois a lei determina que a autorização para gastos só pode ser feita se forem identificadas previamente as fontes de financiamento).
Esse distanciamento da realidade faz com que todos os anos o Orçamento comece a ser executado com uma série de contingenciamentos. À medida que a trajetória da arrecadação vai se delineando, executam-se cortes ou novos contingenciamentos são feitos.
Para 2011, o primeiro Orçamento do governo Dilma sairá do atual Congresso com uma considerável divergência entre o valor que a equipe econômica agora estima para a arrecadação e o que a comissão mista prevê. Seria a habitual "brincadeira de esconde-esconde" dos dois poderes, não fosse o momento que a economia atravessa. Para que o país cresça de forma sustentada no ano que vem, com a inflação sob controle, os gastos públicos terão de se comportar de forma exemplar. Ao que tudo indica, o Orçamento de 2011 não refletirá essa visão.