Título: Lula registra em cartório balanço turbinado de gestão
Autor: Gois, Chico de; Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 16/12/2010, O País, p. 13

Documento de seis volumes apresenta oito anos de governo sem citar problemas como o caos aéreo e a dengue

BRASÍLIA. Em um megaevento no salão nobre do Palácio do Planalto, com a presença dos 37 ministros e de ex-ministros - como José Dirceu, Matilde Ribeiro e Benedita da Silva, que causaram desgastes ao governo em seus tempos de poder -, além de centenas de convidados, o presidente Lula apresentou um calhamaço de seis volumes e mais de três mil páginas com o balanço dos oito anos de seu mandato. Lula disse que fez mais porque os outros não fizeram nada, e destacou que a presidente eleita, Dilma Rousseff, deverá dar continuidade ao seu legado.

- Somos a nação do pré-sal, a nação da Copa do Mundo, das Olimpíadas, e, se depender da dona Dilma e do dom Guido, vamos ser a quinta economia do mundo em 2016 e vamos conquistar essa medalha de ouro - disse Lula, ao lado de Dilma.

Dilma Rousseff estava no evento na qualidade de ex-ministra, como o presidente fez questão de anotar, mas teve lugar de destaque no tablado de Lula. O presidente a advertiu que ela terá de fazer mais. E agradeceu, de forma indireta, ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) por ter aprovado a reeleição, num processo polêmico à época.

- Vocês vão ter dimensão de que, quando a gente fala "nunca antes na História do Brasil", muita gente fica incomodada e diz: o Lula está descobrindo o Brasil. Não estou descobrindo. Nós apenas estamos fazendo o que os outros não fizeram.

Uma brochura de 310 páginas com o resumo do material foi distribuída e mostra um retrato amplo e positivo do governo Lula. Convenientemente, o balanço deixou de lado os aspectos negativos que também marcaram os oito anos da administração petista.

Lula afirmou que seu governo transformou o combate à fome em questão nacional:

- Começamos por transformar o combate à fome em uma causa nacional. Criamos o Bolsa Família e uma série de outras ações desencadeadas pelo Fome Zero que garantiram aos brasileiros, pelo menos, três refeições diárias, como nos comprometemos.

Lula fez, ainda, um agradecimento especial ao vice-presidente, José Alencar, que está internado em São Paulo:

- Duvido que qualquer governante do mundo tenha um vice como eu tive. Pode ter igual. Melhor, eu duvido. É leal e companheiro como jamais vi na vida.

A cerimônia foi só de elogios em favor do presidente que sai. O governador da Bahia, Jaques Wagner, que falou em nome dos ex-ministros, disse, numa comparação canhestra com os tempos JK - que ficou marcado pelo slogan "50 anos em 5" -, que Lula fez 80 anos em 8. Franklin Martins, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, além de enaltecer o que considera virtudes em Lula, fez questão de registrar que a eleição de Dilma significava a ascensão da geração da década de 60 ao poder.

Os seis volumes do balanço foram registrados em cartório, de acordo com uma promessa feita pelo presidente em junho de 2008. Segundo ele, o material não é um documento para engrandecer seu governo, mas uma prestação de contas para a população do que fez e do que ainda precisa ser feito. E também servirá de guia para sua sucessora.

- Sobretudo a nossa querida presidenta, ao ler o subproduto do trabalho dela, porque muita coisa aqui teve a coordenação da companheira Dilma, ela possa se lembrar de coisas que poderiam ter sido feitas, que nós esquecemos de fazer e que ela pode fazer - discursou.

Gratidão a Deus pelo advento da reeleição

Na sequência, Lula elogiou a aprovação da reeleição:

- É para isso que Deus e os políticos garantiram a eleição, a reeleição e a continuidade. É para que a gente possa dar sequência àquilo que foi feito.

Ao lembrar que a imprensa nem sempre publicou manchetes favoráveis ao seu governo, Lula procurou demonstrar compreensão de que a mídia não serve apenas para divulgar o que os chefes de poder de plantão acreditam que é o melhor. Para fugir disso, disse que passou a adotar uma tática própria: viajar e falar bem de seu governo.

- Eu leio o jornal, não vejo matéria favorável a mim, eu falo: vamos viajar o Brasil para que eu mesmo fale bem de mim. O resultado tem sido benéfico até agora, tanto pela reeleição da companheira Dilma, que alguns especialistas em política achavam que era impossível: "É impossível". A única coisa impossível é Deus pecar. O resto, tudo pode acontecer no mundo.

O volumoso resumo, assinado por todos os ministros, começa mostrando que, nos dois mandatos, o governo "deu um salto no enfrentamento da pobreza e da desigualdade". A política econômica teria fortalecido de forma inédita a distribuição de renda e a inclusão social, sem abandonar o compromisso com a estabilidade e o crescimento.

Mas o texto escorrega no cenário positivo. Ao citar o setor de aviação civil, o balanço diz que a Infraero, estatal responsável pelos aeroportos, pautou seus investimentos "buscando a manutenção da qualidade, segurança, conforto e da eficiência operacional da rede". Não há uma linha para o que ainda precisa ser enfrentado pelo poder público, como o caos aéreo que marcou 2006 e o atual gargalo dos aeroportos, que coloca o setor como maior preocupação para a Copa de 2014.

Nas 15 páginas dedicadas à área de saúde, o balanço menciona a palavra "dengue" apenas uma vez. Ela é citada como uma das doenças transmissíveis reemergentes - ao lado de tuberculose e febre amarela - que foram atacadas "com ênfase". Não há menção ao fato de a doença ter se agravado nos últimos anos.

(*) Enviado especial