Título: Montadoras sob pressão
Autor: Oswald, Vivian; D'Ercole, Ronaldo
Fonte: O Globo, 16/12/2010, Economia, p. 35
Governo investigará Volks, Fiat e Ford, acusadas de impedir fabricação de peças por empresas independentes
OConselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) determinou ontem a abertura de um processo administrativo pela Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça, contra as montadoras Volkswagen, Fiat e Ford, para apurar supostas práticas anticoncorrenciais adotadas pelas três empresas. A Associação Nacional dos Fabricantes de Autopeças (Anfape) acusa as montadoras de impedir a fabricação e a comercialização de determinadas autopeças pelas mais de duas mil empresas independentes que atuam hoje no país.
A SDE havia pedido o arquivamento da representação, mas o Cade não concordou com a decisão e obrigou a secretaria a reabrir as investigações.
A Anfape argumenta que as montadoras usam os direitos de propriedade industrial sobre determinadas autopeças de forma abusiva. A intenção seria impedir os fabricantes independentes de poder oferecer o mesmo produto, o que impõe ao consumidor um custo alto na compra de peças de reposição. Para-choques, capôs, faróis e calotas estariam entre os itens supostamente protegidos.
- Qual é a inovação tecnológica de um para-choque ou de uma calota? - pergunta um técnico.
Multa pode chegar a 30% do faturamento
As montadoras garantem estar amparadas pelo direito de propriedade industrial e defendem que o Cade não teria competência para examinar a questão.
- Todo direito tem limite, não existe direito absoluto - afirmou o relator do processo, conselheiro Carlos Ragazzo, lembrando que a lei de propriedade industrial não se sobrepõe à lei antitruste.
No relatório de mais de cem páginas, lido por mais de duas horas durante a sessão de ontem, Ragazzo destaca ainda que, apesar do que alegam as montadoras, existe um número muito pequeno de autopeças protegidas, de fato, pelo registro no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
O documento argumenta que, no caso da Fiat, por exemplo, de três mil autopeças produzidas pela montadora, apenas 11 têm registro de propriedade industrial no órgão.
O Cade quer a análise detalhada dos mercados primário (montagem de veículos) e secundário (mercados atacadista e varejista de autopeças), além dos custos e preços praticados pelo setor, de modo a dispor de informações suficientes para avaliar o mérito da questão.
Se, depois das novas investigações da SDE, ficar comprovado que as montadoras estão lançando mão de práticas para prejudicar a concorrência, elas estarão sujeitas a multas de 1% a 30% do seu faturamento. Além disso, também podem perder o direito de exclusividade sobre parte das peças.
A Anfape surgiu em 2007, como uma dissidência do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças), exatamente para apresentar o processo na SDE. Isso porque o sindicato não poderia se voltar contra as montadoras, principais clientes de seus associados.
O argumento usado na SDE era o de que as montadoras abusavam de seu poder econômico "a fim de dominar o mercado secundário de autopeças". Na ocasião, Laércio Farina, advogado da Anfape, afirmara ao GLOBO que "mercado paralelo não é pirataria".
A obrigatoriedade de usar peças fabricadas pelas montadoras encarece a manutenção do automóvel, principalmente dos carros usados fora da garantia, pois as oficinas independentes são obrigadas a adquirir componentes nas concessionárias. E, em alguns casos, as peças somem do mercado.
Fiat defende prática; Volks vai colaborar
A Fiat informou que manterá sua posição e defenderá a exclusividade de produção de determinados componentes de seus veículos, por entender que este é um direito amparado por lei. Para a montadora italiana, a decisão anunciada ontem pelo Cade apenas estende a discussão em torno de um processo que já existia.
- Entendemos que essas são peças e partes protegidas por registro de patente, ou, no caso do design de alguns componentes, de propriedade intelectual. Por isso, nossa defesa continuará a mesma, com os mesmos argumentos de antes - afirmou um porta-voz da empresa.
A Ford disse que não irá se pronunciar neste momento, mesma posição manifestada pela Volkswagen.
- Vamos colaborar com o Cade. Não vamos nos pronunciar até que haja uma decisão do órgão - disse um porta-voz da montadora alemã.
Na mesma sessão de ontem, o Cade aprovou a operação de arrendamento da jazida de calcário de Aguaçu, em Cuiabá (MT), pelo grupo Votorantim, com uma restrição. O prazo da cláusula de exclusividade no fornecimento de brita para a Cimentos Votorantim, que era superior a cinco anos, deve se limitar a este período.
O Cade ainda aplicou multa de R$1,7 milhão à empresa Box Três Video por práticas anticoncorrenciais. Segundo o órgão, a empresa estaria impedindo as concorrentes de participarem na formulação de programas de vendas na TV.