Título: Brasil defendeu participação em guerras
Autor: Azevedo, Cristina
Fonte: O Globo, 16/12/2010, O Mundo, p. 44

Governo teria mostrado interesse em cooperar mais com a Otan, arriscando baixas para ganhar projeção internacional

O Brasil estava disposto a ter uma participação mais ativa em operações militares internacionais e uma cooperação mais estreita com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), mesmo que para isso tivesse que ver soldados voltando em "sacos pretos", avalia um dos telegramas enviados pela embaixada americana em Brasília a Washington. O documento, de 15 de fevereiro de 2007, relata um jantar entre o general Jorge Armando Félix e o então embaixador Clifford Sobel, no qual o ministro da Segurança Institucional demonstrou uma franqueza que visivelmente surpreendeu seu vice, criticou ações unilaterais americanas na Tríplice Fronteira e cobrou que o Brasil fosse tratado como igual.

No jantar, em 30 de janeiro daquele ano, Sobel recebeu o general Félix e seu vice, o major general Ruben Peixoto Alexandre, para discutir a vinda do procurador-geral dos EUA e pedir sua ajuda para marcar um encontro entre o funcionário americano e Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil. No evento, Sobel pediu sua opinião "como assessor de segurança do governo Lula e como militar" sobre uma cooperação do Brasil com a Otan, destacando que o assunto havia sido discutido entre o chanceler Celso Amorim e o então ministro de Relações Exteriores da Holanda, Bernard Rudolf Bot.

"Félix disse que os brasileiros devem encarar o fato de que "um preço deve ser pago" para obter um papel de liderança internacional", escreveu Sobel. Segundo o telegrama, "o Brasil deve estar querendo modernizar e mobilizar suas forças para operações internacionais e confrontar a perspectiva "de sacos pretos" retornando" ao país. O general disse acreditar que chegara a hora de "o Brasil pagar o preço" e assumir uma liderança em questões mundiais. Segundo ele, afirma o despacho, muitos militares compartilhavam de sua opinião.

Os primeiros "sacos pretos" chegaram no início deste ano, quando 18 militares morreram no terremoto do Haiti de 12 de janeiro. Na época, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu uma indenização de R$500 mil a cada família e um auxílio-educação de R$510 mensais para os filhos dos militares mortos. Mas em agosto deste ano, as viúvas disseram ter recebido apenas um seguro correspondente à morte natural, quando os maridos perderam a vida em serviço.

Durante o jantar, Félix reclamou das medidas adotadas pelo governo americano para a Tríplice Fronteira - compartilhada por Brasil, Argentina e Paraguai - sem que o governo brasileiro fosse consultado. Um mês antes, o Departamento do Tesouro colocara nove homens, entre eles um brasileiro, numa lista negra, acusando-os de financiar o Hezbollah, grupo guerrilheiro xiita libanês, classificado como terrorista pelos EUA. Os nove fariam parte de uma rede de apoio financeiro e logístico, liderada por Assad Ahmad Barakat, descrito pelo governo americano como integrantes do Hezbollah. O governo brasileiro, no entanto, afirmou não haver indícios de atividades ligadas ao terrorismo na região.

"Félix deixou claro seu descontentamento com designações unilaterais do Tesouro dos EUA de alvos do Hezbollah", diz um trecho. "Para contínuas operações conjuntas, sua expectativa é que o governo dos EUA trate os brasileiros como iguais e não adote este tipo de ação unilateral no futuro sem antes se coordenar com o governo brasileiro."

O general é descrito como uma pessoa "extremamente sincera, causando visível surpresa em seu vice". "Será interessante ver se Félix mantém sua posição, e se essa comunicação franca entre nós poderá continuar", conclui Sobel.