Título: Laboratórios receavam política de Lula
Autor: Nogueira, Danielle
Fonte: O Globo, 16/12/2010, O Mundo, p. 44

Temor era de que quebra de patente de remédio anti-Aids fosse ampliada

O primeiro mandato do governo Lula foi marcado por grande apreensão da indústria farmacêutica americana. Documentos oficiais obtidos pelo GLOBO mostram uma intensa movimentação dos laboratórios e de diplomatas no intuito de buscar aliados no Brasil para barrar decretos e projetos de lei que flexibilizassem a propriedade intelectual. O temor era de que a quebra de patentes, idealizada para os medicamentos anti-Aids, fosse estendida a remédios usados para tratar outras doenças ou mesmo para softwares.

Nesse cenário, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) é apontada nos telegramas como possível aliada, assim como os ministérios do Desenvolvimento e de Ciência e Tecnologia. O Itamaraty e o Ministério da Saúde aparecem nos documentos como mais resistentes ao argumento americano de que a proteção da propriedade intelectual é um fator importante para o desenvolvimento econômico, uma vez que estimularia a pesquisa.

Em setembro de 2003, Lula assinou decreto que permitia o licenciamento compulsório em caso de emergência nacional. Logo após o anúncio, o diplomata Richard Verdin escreveu um telegrama ao governo americano em que relatava a preocupação do diretor de Comunicação da Merck João Sanches "com o crescente sentimento antipatentes no Brasil". Para Sanches e Flavio Vormittag, então presidente da Interfarma (associação que reúne fabricantes de medicamentos), "se uma licença compulsória fosse emitida para antirretrovirais (usados no tratamento de Aids), o governo pode decidir expandir essa ação a outros medicamentos, como vacinas, câncer, malária e tuberculose) e até para outros setores, como software".

Para Itamaraty, um meio de reforçar liderança do país

Sanches admitiu que "o caminho menos doloroso seria negociar um preço menor". Mas não adiantou. Em maior de 2007, Lula anunciou o licenciamento compulsório do medicamento Efavirenz, fabricado pela Merck e usado no combate à Aids. Foi o único remédio que teve a patente "quebrada" até hoje no Brasil.

Na defesa dos interesses das empresas americanas, o então embaixador John Danilovich se encontrou com representantes do Itamaraty que tentavam evitar um mal-estar entre os dois países. Saiu de lá com a informação de que a CNI estava disposta a cooperar com as farmacêuticas. E passou a recomendar os laboratórios a se unirem com a entidade para traçarem uma manobra a favor das patentes.

Os diplomatas americanos também frisavam as divergências no governo brasileiro na questão das patentes, com maior resistência nos ministérios de Relações Exteriores e da Saúde. Na avaliação da ex-vice-chefe da missão dos EUA no Brasil Lisa Kubiske, a "resistência do Itamaraty parece ser motivada pelo desejo de o Brasil assumir a liderança entre as nações em desenvolvimento e a crença política (liderada pelo Ministério da Saúde) de que as patentes farmacêuticas contrariam o interesse público, ao limitar o acesso aos medicamentos".