Título: Parlamentar pressionou chefe da máfia a fechar negócio com lobista
Autor: Otavio, Chico; Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 05/12/2010, O País, p. 4
Um político fluminense envolvido com a máfia dos combustíveis, cuja atuação foi revelada pela Operação Alquila, da Polícia Civil do Rio, pressionou o empresário Ricardo Magro, apontado como chefe do esquema, a fechar negócio com um lobista chamado Itamar dos Santos Silveira. Em conversas com Magro gravadas pelos investigadores, no ano passado, este parlamentar ofereceu o próprio gabinete no Congresso Nacional para que o acerto sobre a compra de um ponto comercial em Brasília, para um restaurante, fosse concluído.
Do político, a polícia só conseguiu descobrir que usava um celular Nextel, pertencente à Rádio Melodia, para conversar com o empresário. Em discurso em plenário, o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) admitiu que era o usuário do aparelho, além de conhecer e ser cliente de Magro. A descoberta do envolvimento do político com a quadrilha, além de suspeitas sobre a participação de um ministro de Estado, de seu filho, e de dirigentes da Agência Nacional de Petróleo (ANP), levaram a juíza Maria Elisa Lubanco, na 20ª Vara Criminal do Rio, a remeter o caso para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Ricardo Magro encabeça a lista dos suspeitos de integrar uma quadrilha que gravita em torno da Refinaria de Manguinhos. O esquema consiste na sonegação de ICMS na distribuição de combustíveis no mercado fluminense. De acordo com fiscais da Secretaria estadual de Fazenda, a fraude representaria um rombo anual de R$162 milhões na arrecadação estadual.
O negócio entre Magro e Itamar é citado em quatro conversas entre o empresário e o deputado. Numa delas, interceptada pela polícia no dia 17 de setembro do ano passado, às 20h57m, o parlamentar demonstra irritação pela demora na concretização do negócio:
- Você não ligou pro Itamar. Ele fica me enchendo o saco aqui, de que só falta falar com você, pô.
Itamar dos Santos Silveira é uma figura dos bastidores de Brasília. Há dois anos, ocupou um cargo de assessor especial no escritório de Furnas em Brasília. Considerado obscuro e arrogante, costumava dizer que estava lá por indicação de Eduardo Cunha. Ele ficou poucos meses no cargo, ligado à Diretoria de Construção da estatal, mas, enquanto esteve no escritório, usou o gabinete para encontros políticos.
Depois que saiu da estatal, Itamar manteve o hábito de frequentar a Câmara dos Deputados. Porém, por causa de cinco processos de execução, por calotes na praça, a que responde no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, desapareceu ultimamente.
Um destes processos foi movido pela Apolo Moda, razão social de uma loja de grife no Park Shopping, de Brasília. No ano passado, Itamar passou um cheque de R$5.657 para comprar peças masculinas Versace e Hugo Boss. O cheque estava sem fundos. Cobrado, Itamar disse que não pagaria porque não havia gostado da bainha de uma das calças adquiridas.
Os responsáveis pela Operação Alquila, ao examinarem o conteúdo das conversas de Magro, constataram que o empresário, "em sinal de obediência e respeito ao seu importante interlocutor", liga para Itamar, após ser pressionado pelo político. Outra conversa inteira, gravada às 20h58m no mesmo dia, trata do negócio entre ambos.
- Deixa eu te falar um negócio: o menino gostou do ponto lá. E, inclusive, os arquitetos vêm na segunda-feira para cá. O que você acha? - pergunta Itamar ao empresário.
- Tem que conversar, né? Para entender o que ele está imaginando - responde Magro.
Itamar participou de governo de Roriz no DF
A passagem por Furnas não foi a única experiência pública de Itamar. Em 2005, ele foi chefe da gabinete da Administração Regional de Águas Claras (DF) durante o governo de Joaquim Roriz. Foi nesta condição que ele apresentou queixa à polícia, naquele ano, dando conta do desaparecimento de R$580 mil que mantinha escondidos em casa. Cobrado pelos policiais, ele nunca conseguiu explicar a origem do dinheiro.
Outras conversas de Magro, gravadas pela polícia, revelaram que o empresário recorreu à influência do parlamentar investigado para derrubar obstáculos ao funcionamento de seu esquema de fraude. Magro chama o político de "papão" e deixa claro que, geralmente, ambos usavam linhas fechadas, protegidas de grampos, para conversar.
Em três ligações, só interceptadas porque o empresário naquele momento optou por falar para o celular da Rádio Melodia, ambos tratam de demover a decisão do Grupo Braskem, controlador da Refinaria Riograndense (RS), de cortar a venda de gasolina do tipo A para Manguinhos. Uma delas ocorreu em 16 de setembro de 2009, às 21h18m:
- Fala rapidinho, porque eu estou no plenário e está muito barulho - diz o político.
- Só para lhe falar: dos que eles tinham se comprometido, cancelaram os de ontem, cancelaram os de hoje, o carregamento, e falaram que não têm previsão de carregamento - reclama Magro.
- Porra, que legal! (em tom de descontentamento). Tá bom, deixa comigo - promete o parlamentar ao empresário.
Sem a gasolina comprada da refinaria gaúcha, o esquema se inviabiliza. Isso porque Manguinhos se vale da legislação - que permite o não recolhimento do ICMS na origem da compra entre refinarias - para escapar da cobrança de imposto. A refinaria fluminense, porém, praticamente já não produz uma única gota de combustível. Mantém a razão social apenas para continuar se prevalecendo da vantagem.