Título: Nó dos aeroportos poderá ser desatado
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Fonte: O Globo, 05/12/2010, Opinião, p. 6

Começa a entrar na rotina de períodos de festas e, portanto, de maior deslocamento de pessoas, como no fim do ano, a criação de planos de contingência para se evitar o "caos" nos aeroportos. O termo já faz parte da linguagem corrente quando o assunto é a aviação comercial brasileira.

A rigor, toda essa crise latente no sistema de terminais aeroportuários - que aflora nos momentos de pico de viagens e a qualquer maior instabilidade meteorológica em regiões-chave - já foi prevista há muito tempo. Não era preciso ser mediúnico para, mesmo antes do desastre com o Boeing da Gol, no final de 2006, perceber que a leniência das autoridades federais diante dos gargalos no setor iria, cedo ou tarde, desembocar na atual situação: pistas saturadas, salas de espera repletas, infraestrutura dos aeroportos, principalmente os maiores, sobrecarregada.

Um exemplo: se um passageiro da Ponte Aérea Rio-São Paulo tiver o azar de seu voo ser desviado para Guarulhos, à noite, é quase absoluta a chance de não haver finger para seu avião - devido aos embarques de voos internacionais - e, pior, demorar bastante até aparecerem escada e ônibus.

Aquele desastre, em fins de 2006, apenas apressou o desnudamento das precariedades. O movimento paredista de controladores de voo - em decorrência da implicação de alguns deles no desastre - fez desmontar a malha aérea por alguns dias e, mesmo depois do retorno à normalidade operacional, a aceleração do crescimento da economia tratou de manter o sistema sob pressão.

Na origem da crise, está a resistência, de causa ideológica, do governo Lula a conceder terminais à exploração da iniciativa privada. Não fossem dois eventos esportivos de grande envergadura - a Copa de 2014 e as Olimpíadas no Rio, dois anos depois -, é provável que as barreiras da ideologia e os interesses fisiológicos na Infraero de partidos aliados ao governo teriam mantido tudo como está.

O que importa é que, segundo se noticia, a presidente eleita Dilma Rousseff não repetirá a chefe da Casa Civil Dilma Rousseff, e irá despolitizar a Infraero e ceder à iniciativa privada aeroportos problemáticas, em função da falta de obras de expansão e conservação. Caso de Guarulhos, Galeão (Tom Jobim), Viracopos, Confins (BH), Porto Alegre, Salvador e Brasília. Não estaria, ainda, fora dos planos a realização de parcerias público-privadas para a construção de terminais. Há, inclusive, comentários sobre possível interesse da TAM e da Gol em explorar, de alguma forma, o terceiro aeroporto de grande porte de São Paulo, a ser construído.

A ideia - que também não é nova - seria profissionalizar a Infraero antes de abrir seu capital. As concessões não poderão ser feitas depois da transformação da estatal numa sociedade anônima. Caso contrário, as licitações serão consideradas ruptura de contrato, por prejudicar os acionistas da empresa. Se tudo isso acontecer, será desatado o nó dos aeroportos e saneado um dos mais emblemáticos focos de clientelismo da vida pública brasileira. Nunca se deve esquecer que a Infraero surgiu, no governo Médici, na ditadura militar, para ser uma empresa com 600 funcionários. Hoje, abriga 11.250.