Título: Congresso troca a crise por recesso
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Fonte: Correio Braziliense, 17/07/2009, Opinião, p. 14

O Congresso Nacional entra em recesso de amanhã a 31 de julho sem ter feito minimamente o dever de casa. Pelo contrário: gozará as férias de meio de ano deixando já a impressão de inevitável reprovação. Afinal, num momento crucial para o país, em vez de respostas à grave crise econômica mundial, produziu mais perturbação. Embora tanto o Senado quanto a Câmara estejam sob a presidência de dois dos mais experientes membros do parlamento, as promessas feitas pelo senador José Sarney (PMDB-AP) e o deputado Michel Temer (PMDB-SP) no início da legislatura submergiram sob inacreditável sucessão de escândalos e denúncias de desvios éticos e irregularidades administrativas.

Pela terceira vez na direção das respectivas Casas, ambos os presidentes deixaram passar em branco, até aqui, a oportunidade de tirar da hibernação as reformas estruturais (tributária, política, previdenciária e trabalhista) destinadas a ajudar o Brasil a amenizar os efeitos do tsunami provocado pelo mercado hipotecário norte-americano e se pôr no caminho do crescimento. Na Câmara, o deputado Edmar Moreira (sem partido-MG), dono de um castelo de mais de 7 mil m² de área construída, foi absolvido pelos pares no Conselho de Ética, mesmo admitindo ter usado dinheiro público para pagar serviços de segurança prestados a ele por empresas dele.

O sintomático exemplo de corporativismo dá a medida do conceito de decoro parlamentar que predomina no Congresso Nacional. No Senado, vícios históricos se revelaram institucionalizados. A confusão entre o público e o privado atingiu o ápice, com decisões da Casa ganhando publicidade ou se tornando secretas de acordo com a vontade dos gestores, pouco importando se a transparência é uma imposição constitucional. Nesse ambiente permissivo, admitir funcionários fantasmas na folha salarial, pagar-se horas extras não trabalhadas, fazer vista grossa a contratos irregulares, praticar tráfico de influência foram se tornando práticas rotineiras ao longo dos anos, legislatura após legislatura, até o cancro purgar-se nos últimos meses e o mau cheiro exalar.

A folga de duas semanas tira o Congresso de foco a partir de amanhã. A opinião pública, contudo, deve se manter vigilante, atenta ao risco de que as pressões a favor da limpeza ética e da reestruturação das duas Casas se arrefeça e deputados e senadores se acomodem. A ninguém interessa o enfraquecimento da instituição. A crise precisa ser arrancada pela raiz, solução que muito provavelmente extrapolará inclusive a atual legislatura, sendo completada apenas com a posse de novos parlamentares.

Mas, para que os vícios de hoje não terminem por contaminar também os futuros legisladores, o Senado deve rever as regras aprovadas pela Câmara para as próximas eleições. Elas permitem a candidatura de quem responde a processo na Justiça ou teve conta eleitoral rejeitada e autorizam doações ocultas. Em suma, tornam a política nacional um pouco mais parecida com Sucupira e seu corrupto prefeito, Odorico Paraguaçu, folclóricas criações do dramaturgo e novelista Dias Gomes.