Título: Esterco de animais vira energia no Paraná
Autor: Nogueira, Danielle
Fonte: O Globo, 05/12/2010, Economia, p. 46

Produtores do Oeste do Paraná estão aprendendo a dar um fim mais nobre aos rejeitos produzidos na criação de suínos e aves, como o esterco. Em vez de tratá-los ou simplesmente jogá-los no rio, eles estão sendo usados como matéria-prima para a geração de energia em usinas a biogás. Dessa forma, evitam a emissão de metano, um dos gases mais danosos ao efeito estufa, e ainda complementam sua renda, com a venda de energia excedente à concessionária local, a Copel.

Atualmente, há oito usinas - com capacidade de 0,5 Megawatt (MW) em média - na região. Por seu benefício ambiental, o projeto, liderado pela Coordenadoria de Energias Renováveis de Itaipu, foi incorporado à proposta brasileira de redução de emissões de gases causadores do aquecimento global apresentada na 16ª Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-16), realizada em Cancún na última semana. A ideia é estendê-lo para todo o Sul do país, de modo a ajudar o governo brasileiro a cumprir seu compromisso de diminuir em um bilhão de tonelada as emissões de CO2 equivalente projetadas para 2020. O setor agropecuário responde por 22% das emissões hoje.

As oito microtermelétricas a biogás - na prática, usinas de cocô - fazem parte do esforço de Itaipu para reduzir a proliferação de algas no Rio São Francisco Verdadeiro, o principal rio que abastece o reservatório da usina. Hoje, a imagem que se tem do rio, que forma a Bacia Hidrográfica Paraná III, onde está concentrada a produção agrícola e pecuária do estado, é de uma imensa mancha verde. Isso acontece porque os rejeitos lançados no rio - inclusive fezes e fertilizantes químicos - favorecem a multiplicação de algas, que se depositam no fundo e se decompõem, produzindo o gás metano, 21 vezes mais danoso para o efeito estufa que o gás carbônico.

- Como responsáveis pela gestão das águas dessa bacia, nós diagnosticamos o problema e resolvemos atacar sua origem. Não adiantaria limpar o rio e, sim, evitar que os rejeitos fossem lançados nele - diz Cícero Bley, superintendente de Energias Renováveis de Itaipu.

Nas terras da bacia, são produzidos anualmente 3.020 mil cabeças de suínos, o leite de 275 mil vacas e 196 milhões de aves de corte, segundo os últimos dados disponíveis do IBGE, referentes a 2006. Não é preciso fazer um cálculo complexo para entender que todos os dias é produzida uma montanha de rejeitos por lá. Mesmo quando tratados, eles ficam depositados em áreas especiais, as chamadas lagoas, e acabam emitindo metano. O que as microtermelétricas a biogás fazem é aproveitar esse gás para gerar energia.

Em vez de conta de luz, crédito com a concessionária

As primeiras oito usinas instaladas na região visam a convencer os demais produtores a aderir ao projeto de Itaipu. Três delas estão na Cooperativa Agroindustrial Lar: uma no abatedouro de aves, em Matelândia, e as outras duas em Itaipulândia, onde ficam a unidade industrial de vegetais e a unidade de leitões. Nesta última, a iniciativa permitiu não apenas alcançar a autossuficiência em energia como vender o excedente à Copel. Com isso, a unidade deixou de pagar de R$15 mil a R$20 mil de conta de luz por mês e ainda tem gerado crédito de R$200 mensais junto à concessionária. No abatedouro de aves, embora a autossuficiência não tenha sido alcançada, o gasto com energia foi reduzido em R$20 mil por mês.

- Nós cobrimos as lagoas com uma espécie de lona, os chamados biodigestores, que aprisionam o gás metano e permitem que ele seja canalizado para as usinas - explica o engenheiro químico Ansberto Rodrigues Passos Neto, responsável pela implantação e operação dos projetos de geração distribuída de energia da cooperativa, que tem nove mil cooperados.

Na propriedade de um deles, o produtor de suínos José Colombari também montou uma pequena usina, que já lhe rende R$600 por mês, segundo Passos Neto. De acordo com levantamento de Itaipu, os 27 municípios da região da Bacia do Paraná III produzem 34,5 mil toneladas de metano por ano, e 82,7% desse volume vem da criação de animais, o que dá a dimensão do potencial de aproveitamento de esterco e outros resíduos para a geração de energia e renda.

Ministério estuda formas de financiar a experiência

Essa combinação de respeito ao meio ambiente e elevação de rendimento é a grande vantagem do projeto, na avaliação de Cícero Bley. Um dispositivo instalado na usina identifica quando a propriedade está demandando menos energia e automaticamente direciona essa "sobra" para o sistema elétrico interligado nacional por meio da rede de distribuição de energia. Não há qualquer cobrança de tarifa para a transmissão do excedente energético e, no fim do mês, a concessionária informa da conta de luz quanto foi gerado de crédito. Aí, basta pegar o dinheiro com a empresa.

A experiência bem-sucedida do Paraná está levando o Ministério do Desenvolvimento Agrário a estudar mecanismos de financiamento para expandir a iniciativa. A ideia é aproveitar os recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e levar o projeto a 20% ou 30% dos produtores de suínos da Região Sul até 2020. De acordo com o assessor para questões ambientais do ministério, Marco Pavarino, a prioridade à suinocultura deve-se à facilidade de recolhimento dos rejeitos, já que os animais ficam confinados, diferentemente do que ocorre na criação de gado.

- Ainda não definimos o valor do financiamento. O que sabemos é que queremos aliar preservação ambiental à geração de renda - diz Pavarino.