Título: Fim de encontro do Mercosul vira adeus a Lula
Autor: Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 18/12/2010, O País, p. 14

Evo defende candidatura do presidente para secretário-geral da ONU. Petista adota discurso antiamericanista

.

FOZ DO IGUAÇU, PR. A última reunião do Mercosul chefiada pelo presidente Lula terminou ontem numa grande cerimônia de adeus por parte dos presidentes dos países latinos, que pediram a Lula papel de relevância no cenário internacional na defesa dos interesses da América Latina. O presidente da Bolívia, Evo Morales, defendeu a candidatura de Lula para secretário-geral da ONU. O presidente José Mujica, do Uruguai, disse que mais importante do que o trabalho de Lula na consolidação do Mercosul é o desafio de seu papel internacional nos próximos anos.

O balanço do Mercosul feito pelos presidentes acabou em elogios ao trabalho de Lula na integração do bloco. No encontro, Lula usou de retórica antiamericanista, que teve repercussão no discurso de praticamente todos os líderes, como a presidente da Argentina, Cristina Kirchner. Ela defendeu que o Senado paraguaio aprove a entrada da Venezuela no Mercosul por ter sido o país "generoso com a região":

- Uma generosidade que não achamos nunca no exterior.

Na hora de negar que estaria buscando cargo na ONU, Lula alfinetou Washington:

- Só posso compreender a indicação como gesto de cortesia do meu companheiro Evo Morales. Essa coisa, a gente não reivindica, não pede, não articula. A ONU precisa ser dirigida por um técnico competente do órgão. Não pode ser um político forte, porque ele não pode ser maior que os presidentes dos países. Fico meio preocupado porque, se virar moda presidente de país presidir a ONU, daqui a pouco os EUA estão disputando, além do Conselho de Segurança, controle das Nações Unidas, e aí tudo ficará mais difícil.

O presidente chileno, Sebastián Piñera, chegou a citar Brecht para chamar Lula de "homem imprescindível".

Lula afirmou que sua ambição é levar a experiência do Brasil com políticas sociais e de redistribuição de renda a outros países mais pobres e à África, "respeitando as peculiaridades de outros países, claro". O presidente negou também que vá ocupar o cargo recém-criado de Alto Representante do Mercosul.

- Eu já me dou por contente de ter sido o presidente do Brasil e acho que Deus já foi muito generoso comigo. Agora, aos 65 anos de idade, não vou pendurar as chuteiras porque sou um político 24 horas por dia, e vou continuar fazendo política onde for necessária a boa política. Posso contribuir sem ter cargo, ou seja, preciso apenas de uma motivação, e a motivação é a necessidade que temos de evolução da nossa querida América Latina.

Apesar das divergências ainda existentes no bloco - o governo argentino ameaça sobretaxar as importações de toalhas do Brasil -, todos os líderes do Mercosul foram unânimes ao elogiar a integração. Lula, Mujica, Kirchner, Lugo e Morales observaram que uma das razões de a região ter sobrevivido bem à crise econômica foi a decisão de apostar em laços regionais e com países que não os desenvolvidos.