Título: Desembargador suspende exame da OAB, que reage
Autor: LIns, Letícia; Tinoco, Dandara
Fonte: O Globo, 18/12/2010, O País, p. 17

Presidente da Ordem acusa o magistrado de ter interesse na suspensão porque seu filho teria sido reprovado 4 vezes

RECIFE e RIO. O desembargador Vladimir Souza Carvalho, do Tribunal Federal Regional da 5ª Região, em Recife, tomou uma decisão polêmica: determinou que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) inscreva em seus quadros todos os bacharéis em Direito, sem necessidade de aprovação no exame de admissão da OAB. Ele considerou inconstitucional a exigência da OAB. Por lei, o bacharel em Direito só pode advogar se passar no exame da Ordem.

O presidente da OAB, Ophir Cavalcante, acusou o desembargador de ter interesses pessoais na decisão, já que o filho dele é bacharel em Direito e teria sido reprovado quatro vezes no exame da OAB.

- É uma tentativa isolada que não é nova, vem sendo repetida em todos os exames. A liminar é de uma pessoa que tem sua compreensão sobre o assunto já conhecida, que tem artigos publicados em jornais sobre o assunto, com um filho que repetiu o exame por quatro vezes. Sua isenção está comprometida. Estamos recorrendo da decisão.

Segundo Ophir, a preocupação da OAB é com a qualidade do ensino:

- Temos 650 mil alunos de Direito e em torno 80 mil a 100 mil se formam anualmente. É preciso haver controle sobre a qualificação. Não podemos despejar pessoas que não tenham preparo para lidar com a liberdade e o patrimônio. O exame é para proteger a sociedade.

No Ceará, juiz negou pedido para suspender exame

Carvalho atendeu a pedido do cearense Francisco Cleuton Maciel, integrante do Movimento Nacional de Bacharéis em Direito. Segundo o representante de Pernambuco no Conselho Federal da OAB, Pedro Reynaldo, já houve decisões anteriores de primeira instância contra o exame da OAB, mas todas foram cassadas por tribunais. Ele considerou a iniciativa do desembargador um retrocesso:

- Existe um lobby forte contra o teste da OAB. São milhares de bacharéis que se formam anualmente e ficam frustrados porque não conseguem acesso à Ordem. A pressão é tão grande que existem dois projetos de lei tramitando no Congresso para que o exame seja extinto.

O presidente da OAB-CE, Waldetário Monteiro, informou que a entidade foi citada ontem pelo TRF, e que vai recorrer da decisão não só ao próprio TRF como junto ao Superior Tribunal de Justiça:

- Nós não abriremos mão daquilo que é uma conquista da advocacia e da cidadania. O advogado tem que ter condições de exercer a profissão. Muitos dos integrantes desse movimento se submeteram ao exame e não passaram. Melhor do que acionar a Justiça seria que eles se dedicassem mais aos estudos.

Um juiz de primeira instância do Ceará já havia negado o pedido de Cleuton Maciel. O desembargador Carvalho alegou que o fato de a profissão ser a única em que se exige a aprovação em exame de órgão da categoria fere o princípio constitucional da isonomia.

A OAB-CE diz que recebeu solidariedade de vários conselhos, como o de contabilidade e de medicina. Reynaldo lembrou que, com a proliferação de faculdades no Brasil, o ensino muitas vezes tem qualidade duvidosa:

- Agora, o exame é ainda mais necessário. Olho a decisão dele com muita preocupação. Felizmente, é uma decisão monocrática e não de um colegiado. A iniciativa está na contramão da sociedade, porque o exame vem sendo uma exigência de outras profissões.

O desembargador não se pronunciou sobre a acusação da OAB de que ele não tem isenção para decidir por ter um filho reprovado no exame da Ordem.