Título: Grave descompasso
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Fonte: O Globo, 20/12/2010, Opinião, p. 6

Alterar normas que regem o sistema previdenciário é espinhoso para o político. Como vive da capacidade de atrair eleitores, ele fará o possível para não se indispor com quem lhe garante o emprego. Mas, como a vida real e o tempo são inexoráveis, em algum momento ele precisará enfrentar esta situação, junto com a sociedade.

A infalibilidade do encontro da crise previdenciária com a classe política e a sociedade obedece a um imperativo demográfico: como as populações, crescentemente urbanizadas, geram menos filhos que as gerações passadas, será cada vez menor o número de contribuintes ativos dos sistemas previdenciários, enquanto o envelhecimento e a ampliação da expectativa de vida, ditada por avanços da ciência, aumentam o universo dos aposentados.

De um lado, receitas decrescentes; de outro, despesas em alta. Trata-se de infalível fórmula da falência. E não devido a uma conspiração neoliberal contra o povo brasileiro. Isso acontece em qualquer país em que haja uma Previdência como a nossa, de repartição: os que contribuem pagam os benefícios dos que já se retiraram. Por um raciocínio lógico simples, conclui-se que a evolução da demografia - também não se trata de uma peculiaridade brasileira - por si só demolirá qualquer Previdência deste tipo que não se adapte a esta evolução.

Costuma ser usado no Brasil o argumento de que a Previdência (INSS) é superavitária, pois não se pode considerar nela, como é feito, a aposentadoria rural - em que não se exige contribuição -, por ser ela assistencialista, não seguridade. Mas do ponto de vista do Tesouro e do contribuinte não importa: os mais de R$40 bilhões de déficit que o INSS apresenta este ano precisam ser cobertos, e não por emissão de moeda. Além disso, se a "previdência urbana" fecha no "azul", não demorará a ostentar saldos negativos, pela inexorabilidade demográfica.

O Brasil tem um problema. Como não há idade mínima para a aposentadoria, aposenta-se muito cedo. Com isso, um enorme contingente de pessoas usufrui e usufruirá de benefícios por um longo tempo, sem a devida e correspondente contribuição. Além disso, como o benefício básico está atrelado ao salário mínimo, a correta política de valorização da remuneração-base causa enormes estragos nas contas públicas via Previdência. Devido às eleições de 2010, até mesmo os benefícios acima de um salário mínimo receberam aumento real (maior que a inflação).

Dados compilados pelos economistas Fábio Giambiagi e Paulo Tafner mostram que, de 1991 a 2010, as despesas primárias públicas que mais cresceram foram as do INSS: 7% de crescimento real médio, contra 3% do PIB.O governo Fernando Henrique, na impossibilidade de aprovar no Congresso uma verdadeira reforma do sistema, instituiu o "fator previdenciário", pelo qual o contribuinte do INSS é induzido a estender seu tempo de contribuição, para garantir um benefício mais elevado. À medida que se eleva a expectativa de vida da população, calculada pelo IBGE, o fator é alterado. Não chega a substituir o limite de idade, mas impediu que a sangria fosse maior.

Algo terá de ser feito, como acontece agora, às pressas, na Europa, devido à crise fiscal deflagrada pela debacle financeira. O fato é que o Brasil tem um contingente de idosos (65 anos e mais) equivalente a 6,8% do total da população, mas gasta além de 10% do PIB com a Previdência, como muitos países europeus maduros de Primeiro Mundo. O descompasso é grave.