Título: Punição em dobro no mercado
Autor: Bôas, Bruno Villas
Fonte: O Globo, 20/12/2010, Economia, p. 23

Multas e acordos firmados pela CVM aumentaram em 113% este ano, para R$236 milhões

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), xerife do mercado de capitais brasileiro, puniu em dobro este ano o mau comportamento de empresas, executivos e investidores. Segundo um balanço da CVM obtido pelo GLOBO, foram aplicados este ano R$236,255 milhões entre multas e termos de compromisso de janeiro até 14 de dezembro último, um aumento de 113% em relação aos R$110,84 milhões do ano passado.

As punições aplicadas este ano pela xerife do mercado envolvem casos tão diversos como uso de informação privilegiada, negligência de administradores, falta de transparência das empresas e até erro de contabilidade de balanços. E envolveram atuais e ex-executivos de empresas como Petrobras, Sadia, Ipiranga, Positivo Informática e os bancos BTG Pactual e Credit Suisse. Entre os envolvidos, nomes de peso no mundo dos negócios, como Luiza Trajano (presidente do Magazine Luiza) e Vicenti Falconi (consultor de grandes empresas), ex-conselheiros da Sadia e Almir Barbassa, diretor-financeiro da Petrobras.

Segundo o procurador-chefe da CVM, Alexandre Pinheiro dos Santos, a própria expansão da economia brasileira e do mercado de capitais no país explica uma parcela do crescimento de punições:

- O mercado teve grande aumento desde 2004, com mais agentes e operações. Existe um lado virtuoso nisso e, proporcionalmente, uma parcela de pessoas que se desvia.

Valor supera orçamento da CVM

O professor de Finanças do Ibmec/RJ Luiz Ozorio concorda que o aumento nas multas e termos de compromisso da CVM está ligado à expansão do mercado de capitais brasileiro:

- Passamos a ter um volume maior de participantes no mercado, e a CVM está efetivamente cumprindo seu papel de fiscalizar.

Uma boa parcela desse crescimento pode ser creditada ao acordo com o grupo francês Vivendi, que aceitou pagar R$150 milhões no dia 10 deste mês para não levar a julgamento uma possível fraude cometida na compra da GVT, num valor recorde na CVM. Os franceses fizeram uma investida bilionária, comprando por R$7,4 bilhões a GVT Holding, de olho no potencial do mercado de telefonia e internet no Brasil. O acordo com a CVM para evitar o julgamento foi o maior já firmado pela autarquia.

Existem dois caminhos para os investigados: tentar um acordo com a CVM para encerrar as investigações ou apresentar sua defesa e enfrentar um julgamento. No primeiro caso, os investigados aceitaram pagar este ano, somados, R$165,884 milhões para evitar o julgamento da CVM, 217% a mais que os R$52,308 milhões de 2009.

- Quem opta por um acordo não necessariamente praticou de fato uma irregularidade. Muitos fatores levam a um acordo antes do julgamento. Para a empresa, pode ser mais vantajoso encerrar aquele processo que carregá-lo até um julgamento - diz Santos.

Já entre os que foram a julgamento e acabaram condenados, as multas somaram R$70,371 milhões até 14 de dezembro, um aumento de 20% em relação aos R$58,531 milhões de 2009. Esse valor desconsidera a multa de R$504 milhões aplicada pela CVM aos acusados de operações fraudulentas no caso Rio Previdência, fundo de previdência do funcionalismo público do Rio. A multa foi suspensa em liminar da 16ª Vara Federal do Rio de Janeiro.

Entre as empresas condenadas, um dos casos emblemáticos foi julgado no dia 14, o da Sadia. Nove ex-conselheiros foram condenados a pagar R$2,6 milhões ao todo por operações irregulares com derivativos (contratos no mercado futuro). Entre eles, Luiza Trajano e Vicenti Falconi. Os contratos geraram perdas de R$760 milhões para a Sadia em 2008.

Assim, o valor aprovado de multas e acordos este ano supera o orçamento da CVM em 2010, de R$214,14 milhões. É como se a CVM fosse superavitária. Mas, como ocorre com outros órgãos da União, a CVM tem recursos contingenciados pelo governo federal.

Segundo Santos, a CVM aperfeiçoou sua atuação, estabelecendo parcerias com órgãos como Polícia Federal, Ministério Público Federal e Banco Central. Ele acrescenta que o órgão leva hoje de um ano e meio a dois anos para colocar um caso em julgamento desde o momento em que detecta um ilícito. Em 2004, o prazo era de quatro anos. Em 2008, de dois anos e dois meses.

- Nossos prazos estão beirando o ideal. Não queremos acelerar demais o processo e acabar nos atropelando.

Para 2011, a expectativa é obter uma sentença favorável na primeira ação civil pública para ressarcimento de investidores por informações privilegiadas em conjunto por CVM e MPF. É o caso Ipiranga, no qual um réu responde ao processo, em segredo de Justiça, na primeira instância da Justiça Federal no Rio.

COLABOROU Lucianne Carneiro