Título: Recado para Chávez se conter
Autor: Farah, Tatiana
Fonte: O Globo, 20/12/2010, O Mundo, p. 30

Lula teria dito a presidente da Venezuela para "não brincar com fogo"

BRASÍLIA. Incomodado com a verborragia antiamericanista de Hugo Chávez, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria enviado uma mensagem contundente ao colega venezuelano em abril de 2005, exortando a ele que "parasse com sua retórica provocativa e passasse a cuidar dos problemas internos da Venezuela". O portador do recado seria o então chefe da Casa Civil, José Dirceu, segundo relato feito pelo próprio ex-ministro ao embaixador dos Estados Unidos em Brasília, John Danilovich, de acordo com os telegramas enviados pela diplomacia americana a Washington, obtidos pelo site WikiLeaks.

Em telegrama confidencial, assinado por Danilovich em 13 de abril de 2005, o diplomata afirma que Dirceu diria a Chávez para "parar de brincar com fogo" e que o venezuelano já tinha problemas demais em seu país, cuja solução também interessaria ao Brasil. Poucos meses depois, Dirceu caiu no rastro do escândalo do mensalão.

"As provocações de Chávez aos Estados Unidos não servem a interesses nacionais da Venezuela e são uma preocupação para o Brasil e seus vizinhos. Dirceu vai dizer ainda que não apenas o governo americano está hostil - executivos e as pessoas na rua agora veem a Venezuela como um problema para os EUA", relata Danilovich.

Desconforto com a postura de Chávez no G-15

Em mais um documento confidencial, de março de 2004, o cônsul-geral americano Patrick Duddy relata outra conversa, na qual Dirceu teria dito que o presidente brasileiro teria deixado de retornar telefonemas de Chávez, após o "comportamento dele na reunião do G-15, em Caracas". Afirmou ainda que Lula saiu mais cedo da reunião de cúpula na capital da Venezuela, pois estava "desconfortável" com a postura do colega.

"Ele (Lula) provavelmente vai retornar os contatos em breve para manter a comunicação aberta, o tanto quanto isso possa ser desagradável", teria dito Dirceu.

Até mesmo o regime cubano, segundo a análise americana das palavras de Dirceu, não estaria interessado em ficar com "suas águas mais turbulentas, em razão das provações de Chávez". Segundo o embaixador americano, Dirceu afirma que Cuba "precisa desesperadamente de um ambiente tranquilo para lidar com seus profundos problemas internos".

O ex-braço direito de Lula ainda demonstra, segundo os telegramas, profunda confiança na ampliação das relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos, afiançando apoio à retomada das negociações para a criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), apesar da contrariedade do ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim.

Em 20 de abril de 2005, John Danilovich escreve a Washington, após nova conversa com o chefe da Casa Civil: "Dirceu aproveitou a oportunidade para expor seu desejo de que as conversações da ALCA avancem, repetindo que o Brasil deve exportar aos EUA pelo menos quatro vezes mais do que exporta hoje, acrescentando que já falou com o ministro da Fazenda Palocci sobre a inflexibilidade do ministro de Relações Exteriores em relação à ALCA".