Título: Aéreas nos tribunais
Autor: Nogueira, Danielle
Fonte: O Globo, 26/12/2010, Economia, p. 23

AMEAÇA NO AR

Só 33% dos casos nos juizados dos aeroportos têm solução pacífica. Greve agravaria problema

Os brasileiros podem ter se livrado de uma greve nacional dos trabalhadores do setor aéreo nas festas de fim de ano, esvaziada após a decisão judicial da última quarta-feira, determinando comparecimento mínimo de 80% dos funcionários das companhias aéreas nos aeroportos. Mas ainda estão longe de obter a garantia de serviços de qualidade prestados pelas empresas do setor, o que muitas vezes os leva a brigar na Justiça para defender seus direitos. Balanço dos primeiros cinco meses de atuação dos juizados especiais nos cinco principais aeroportos do país mostra que do total de atendimentos que resultaram em conflito (6.081), só 33% foram solucionados pacificamente, segundo últimos dados disponíveis. O restante tomou o caminho dos tribunais. Um indicador, na opinião de especialistas, de que a relação entre aéreas e passageiros não vai bem. E só tende a piorar, caso a promessa de paralisação para janeiro se confirme.

Foram 4.082 ações e 1.999 acordos entre 23 de julho, quando os juizados foram instalados, e a semana passada. Os números excluem as desistências, ou seja, as pessoas que não levaram à frente a reclamação, e os pedidos de informação ou orientação. Overbooking (quando a empresa vende o mesmo assento mais de uma vez) e atrasos de voos lideram as queixas.

Santos Dumont: pior índice de conciliação

O índice mais baixo de conciliação é o do Santos Dumont. Foram 708 ações encaminhadas à Justiça entre 23 de julho e 16 de dezembro. No período, foram obtidos 95 acordos. Ou seja, só 12% dos atendimentos que geraram conflito tiveram solução pacífica. O Galeão segue a média nacional. Foram 545 acordos ou 32% dos atendimentos conflituosos. Os processos somaram 1.169. Em São Paulo, em Congonhas e Guarulhos o número de ações é o triplo do de acordos, segundo dados até 19 de dezembro. A exceção é o Aeroporto de Brasília: 805 acordos e 597 ações até 7 de dezembro, índice de sucesso de 57%.

O levantamento também mostra que TAM, Gol e Webjet se revezam na liderança das reclamações dos passageiros. A maior companhia aérea do Brasil é a número 1 em queixas em Congonhas (53% do total), Guarulhos (35%) e Brasília (38%). A Gol está no topo da lista no Galeão (38%) e a Webjet encabeça as queixas no Santos Dumont (35%). O número de reclamações nos cinco aeroportos supera 11 mil desde julho. E não corresponde à quantidade total de atendimentos conflituosos porque cada ação ou acordo pode se referir a mais de uma queixa.

O baixo percentual de acordos resulta da resistência das empresas em colaborar, segundo os juizados, especialmente quando há problemas concentrados. Foi assim com a TAM no fim de novembro, quando a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) chegou a suspender a venda de bilhetes da empresa. Na época, a companhia alegou que chuvas prejudicaram a malha aérea e a escala da tripulação, provocando atrasos e cancelamentos. Segundo a coordenadora dos juizados especiais de Congonhas e Guarulhos, Márcia Luiza Negretti, a TAM deixou de comparecer a uma série de reuniões que buscavam o consenso com os passageiros na ocasião:

- As empresas não são obrigadas a fazer acordo. Fazemos o convite para uma reunião de conciliação, mas elas é que decidem se mandam ou não um representante.

Procurada, a TAM ponderou que oferece o maior número de voos - são 840 por dia - do país e que, por isso, está mais exposta a reclamações. Disse ainda que "TAM e Pantanal estão empenhadas em prestar o melhor serviço aos clientes e que cumprem as exigências de atendimento ao passageiro".

No Santos Dumont, a resistência da Webjet é um dos fatores apontados para o baixo índice de acordos. Até 16 de dezembro haviam sido protocoladas 1.035 queixas contra a empresa no juizado do aeroporto, mais que o número de reclamações de Gol e TAM juntas (847), que ocupam segunda e terceira colocações no ranking, respectivamente. Em nota, a Webjet disse que reforça "os esforços nos aeroportos para atender os passageiros da melhor forma possível, em acordo com o que determina a legislação".

- O acordo é sempre mais vantajoso, pois a ação judicial gera um ônus para a empresa. Ainda assim, algumas se recusam a cooperar - diz o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Antonio Saldanha, responsável pelos juizados especiais de Santos Dumont e Galeão.

Para defensor público, solução é multa maior

Para o defensor público André Ordacgy, a melhor maneira de forçar as empresas a fazerem acordos é elevar o valor das multas indenizatórias. Só assim, diz, as companhias buscarão soluções pacíficas para evitar o ônus.

- Os números dos juizados mostram que a relação entre passageiros e aéreas não vai bem. A única forma de estimular os acordos é aumentar o valor das condenações - diz o titular do Ofício de Direitos Humanos e Tutela Coletiva da Defensoria Pública da União, no Rio, para quem o fechamento dos postos da Anac nos aeroportos contribui para o elevado número de queixas nos juizados. - Não me parece lógico o juizado estar presente nos aeroportos e a Anac não.

Em meados do ano, a Anac decidiu fechar seus postos de atendimento - hoje há apenas um em Guarulhos e um em Brasília - e concentrar as demandas dos passageiros na internet e no telefone. Ordacgy é autor de uma ação, ainda em andamento, que pede a reabertura dos postos.

O oficial de bombeiro Luiz Tadeu Fuchs e o técnico de enfermagem Felipe de Lima Alves Barreto, estão entre os que engordam a lista das ações judiciais no Rio. Os dois voltavam de um congresso, em Santa Catarina, em outubro, quando o voo que faria a conexão entre São Paulo e Rio (Galeão) foi cancelado. A Gol alegou problemas mecânicos. Segundo Fuchs, a empresa se recusou a reacomodá-los no voo seguinte com destino ao Rio porque o desembarque seria no Santos Dumont. Eles esperaram mais de uma hora para embarcar em um avião com destino ao Galeão.

- Perdi minha carona para o hospital e tive que pagar um colega para cobrir o meu plantão - queixa-se Barreto, que também critica a lentidão e a falta de comunicação da Justiça. - Quando abri o processo, me disseram que a audiência seria em 20 a 30 dias. Até agora nada.

A audiência de Barreto está marcada para abril. A do amigo Fuchs sequer tem data:

- Tem gente que fica a ver navios. Eu estou a ver aviões da Gol - disse Fuchs.

A Gol frisou ser necessário levar em conta a relação entre o número de queixas e o volume de operações das companhias aéreas. Disse ainda que "a companhia está aberta ao diálogo e tem todo o interesse em atender da melhor forma possível seus clientes".