Título: Queda do superávit exigirá ajuste fiscal rigoroso de sucessora
Autor: Oliveira, Ribamar
Fonte: O Globo, 27/12/2010, Politica, p. A6

Governo: Para especialistas, dívida pública é outro fator de preocupação para a futura presidente

A política fiscal dos últimos anos do governo Luiz Inácio Lula da Silva sofreu algumas alterações e o crescimento do gasto público mudou de padrão. Em primeiro lugar, houve uma redução do superávit primário, em função da crise financeira internacional e do ciclo político, de acordo com o economista Samuel Pessoa, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Em segundo lugar, a conta de juros nominais do setor público está se mantendo constante, apenas da queda da taxa básica de juros da economia (a Selic) e da dívida líquida, como observou Pessoa. Isso mostra que, nos últimos anos, o Tesouro Nacional acumulou passivos muito mais caros que os ativos.

Por último, as despesas de custeio da máquina administrativa (viagens, diárias, materiais de escritório, luz, água etc.) foram as que mais cresceram este ano, até outubro, segundo o economista Mansueto Almeida, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

A política fiscal do governo Lula teve duas fases, na avaliação do economista Samuel Pessoa. "Nos seis primeiros anos, ela tem uma cara e nos últimos dois anos, outra", afirmou. A primeira fase foi caracterizada por elevados superávits primários, de 3,4% do Produto Interno Bruto (PIB) ao ano, em média.

O superávit caiu nos últimos dois anos, inicialmente como uma resposta à crise financeira internacional e, em seguida, em decorrência do que os economistas chamam de "ciclo político". Durante os anos eleitorais, a política fiscal costuma ser mais expansionista.

"O presidente Lula está deixando um superávit primário muito baixo para a presidente Dilma, algo em torno de 2% do PIB", alertou Pessoa. Para obter o superávit de 3% do PIB este ano, meta estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), a presidente Dilma terá que fazer um ajuste fiscal mais rigoroso do que aquele executado no primeiro ano do governo Lula, de acordo com o economista.

Outro indicador preocupante da segunda fase da política fiscal do governo Lula, segundo Pessoa, está relacionado com a dívida pública. Ele observa que apesar da queda da Selic e da dívida líquida nos últimos anos, a conta de juros nominais do setor público não está caindo.

Pessoa disse que este fenômeno resulta da constituição de passivos pelo Tesouro Nacional mais caros do que os ativos. Ele citou, como exemplo, a política de aporte de recursos subsidiados ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Os recursos do Tesouro são emprestados ao BNDES ao custo de Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que está em 6% ao ano. O Tesouro capta os recursos no mercado ao custo de Selic, que está em 10,75%.

O economista Mansueto Almeida, do Ipea, chama a atenção para outra mudança na política fiscal do governo Lula. De janeiro a outubro deste ano os gastos com o custeio restrito cresceram 0,37 ponto do PIB em relação ao mesmo período do ano passado. Essas despesas são aquelas diretamente relacionadas ao custeio da máquina pública.

Elas passaram de 1,61% do PIB nos dez primeiros meses de 2009 para 1,98% do PIB no mesmo período de 2010, como mostra a tabela abaixo, que foi construída para que se possa ter uma ideia do resultado registrado no mesmo período dos dois anos. "Este ano há um crescimento forte de duas contas: custeio restrito e investimento público. Nesse aspecto, o padrão de crescimento dos gastos no último ano do governo é um pouco diferente do padrão normal de todo o governo Lula", analisou Mansueto.