Título: Renda pesa mais que raça no acesso à saúde
Autor: Tinoco, Dandara
Fonte: O Globo, 28/12/2010, O País, p. 13

Estudiosos discordam de estudo e dizem que desigualdade no tratamento é sobretudo por causa da classe social

O nível social do paciente pesa muito mais do que a sua cor na desigualdade existente no acesso à saúde pública no Brasil. É o que defendem especialistas, ao analisarem o estudo do economista e pesquisador da UFRJ Marcelo Paixão divulgado domingo pelo GLOBO. Segundo a pesquisa dele, brancos e negros têm acesso desigual ao Sistema Único de Saúde (SUS), o que é contestado por especialistas do setor.

- Eu não concordo que o SUS é racista. A ideia de que é necessária uma política de saúde para negros é bastante polêmica. Eu não concordo - sustenta a professora de Economia da Saúde da UFRJ Ligia Bahia.

Para a médica, as desigualdades de renda são tão grandes que acabam "ofuscando" outras variáveis, como raça e gênero:

- Se alguém chegar falando português correto num hospital vai ser mais bem atendido. Já se for um branco ariano falando errado vai ser mais mal atendido. É uma discriminação sutil: a discriminação por status. O mesmo ocorre com quem chega mais bem ou mais mal vestido. É um simplificação dizer que o problema está só na cor da pele.

"Efeito de raça praticamente inexiste"

A pesquisadora Cláudia Travassos, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict) da Fiocruz, concorda. Ela chama atenção para o fato de que pretos e pardos estão em maior número entre os mais pobres e os com menor acesso à educação:

- O Brasil tem pardos e pretos mais concentrados nas camadas mais pobres e de menor escolaridade. A sociedade não é estruturada racialmente, como em outros países, o que não quer dizer que não temos problemas raciais. Mas muito precocemente tivemos leis sobre o assunto e nos miscigenamos desde o início. Sem dúvida nenhuma, o efeito de renda é mais forte do que o de raça, que praticamente inexiste.

Segundo a pesquisadora, apesar de existir de fato racismo, mesmo no que diz respeito ao tratamento dado aos pacientes (o estudo mostra que 15,6% dos pretos e pardos que foram atendidos declararam que o serviço era regular, ruim ou muito ruim), o preconceito é maior em relação ao pobres.

O coordenador da Comissão Nacional Pró-SUS e segundo vice-presidente do Conselho Federal de Medicina, Aloísio Tibiriçá, afirma que o abismo é ainda maior quando o serviço particular também é levado em consideração:

- A questão racial tem historicamente dificultado o acesso a vários setores da cidadania, mas, no caso da saúde, me parece que isso passa pela questão social. Basicamente as pessoas que têm emprego formal e renda têm planos de saúde - e isso no Brasil é só 23% da população. Ao povo, 150 milhões de pessoas, sobra o SUS.

Já Marcelo Paixão defende seu estudo e afirma que a desigualdade entre as raças foi confirmada mesmo quando comparados pacientes com o mesmo nível escolar, caso de parte do indicadores como o acesso a exames preventivos.

- Não ignoramos que a dimensão social esteja envolvida. Mas é impossível deixar de lado que há diferença de tratamento entre raças. Temos que enfrentar o problema.