Título: PIB maior, inflação idem
Autor: Almeida, Cássia; Ribeiro, Fabiana
Fonte: O Globo, 28/12/2010, Economia, p. 19

No balanço das previsões furadas, crescimento surpreendeu e preços foram o vilão de 2010

Uma economia mais aquecida, com expansão acima do previsto e alta dos preços maior que o projetado. Em 2010, a grande surpresa na economia veio do forte crescimento do país - acompanhado, porém, de uma inflação maior. No fim de 2009, os economistas previam, em média, que o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e riquezas produzidos no país) cresceria 5,2% este ano. Mas o Brasil deve fechar 2010 com uma expansão acima de 7,5% - que, se confirmada, será a maior desde 1985. Por outro lado, a inflação acumulada nos últimos 12 meses registra alta de 5,63%. No fim do ano passado, os analistas previam que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficaria no centro da meta estabelecida pelo governo, de 4,5%.

E, se a inflação foi o vilão da economia em 2010, crescem as preocupações com o comportamento do IPCA em 2011. Segundo a última pesquisa Focus do Banco Central divulgada este ano, que ouviu cerca de 80 especialistas na semana passada, o mercado vê a inflação subindo 5,31% no ano que vem, ou seja, de novo acima do centro da meta. No levantamento anterior, os analistas previam um IPCA de 5,29% em 2011. Para este ano, as projeções subiram para 5,9%, acima dos 5,88% calculados até então. O economista-chefe da Máxima Asset Management, Elson Teles, lembra que ninguém esperava que os preços dos alimentos subissem mais que 5% este ano. Agora, a estimativa é de que avancem 11%.

- Tivemos uma alta significativa das commodities e enfrentamos problemas climáticos no mundo todo. São coisas que não dá para prever - afirmou.

Mas o que não entrou nas contas para um PIB tão robusto em 2010? O mercado de trabalho muito resistente, responde Luiza Rodrigues, economista do Banco Santander, foi um dos fatores que surpreenderam:

- As empresas relutam em demitir, pelo custo e pela dificuldade de encontrar mão de obra qualificada. Isso não entrou na conta. Assim, a demanda doméstica não sofreu tanto assim. Não se acreditava também que o afrouxamento da política monetária seria suficiente para a recuperação econômica que se viu. E os preços dos produtos exportados pelo Brasil melhoraram, ajudando nas exportações.

Desemprego deve cair mais em 2011

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, acredita que a base de comparação deprimida - em 2009 houve recessão de 0,6% - e a política fiscal acelerada explicam essa diferença entre as projeções para o crescimento econômico e o número observado no fim deste ano. Para 2011, as projeções são de que a economia ande mais devagar, com inflação menor e um avanço maior do déficit das contas com o resto do mundo, o chamado déficit em transações correntes. As projeções dos economistas para alta do PIB estão próximas de 4,5%.

Mas o emprego continuará em ascensão. Poucos arriscam projetar taxa de desemprego média maior que a deste ano, que até novembro estava em 6,9%. No mesmo período do ano passado, a taxa estava em 8,2%. A discussão do pleno emprego e a do apagão de mão de obra tendem a ganhar força no primeiro ano de governo da presidente Dilma Rousseff. Vale, da MB Associados, calcula que a taxa média de desemprego fique em 5,7%, igual à do mês passado, o menor da série histórica do IBGE:

- Estamos em pleno emprego já. Na verdade, estamos até abaixo desse limite. Essa é uma das razões para pressão inflacionária recente.

Com o mercado interno aquecido, os analistas acreditam que a taxa básica de juros Selic, hoje em 10,75% ao ano, feche 2011 perto de 13%, para fazer frente à inflação acima da meta:

- Dificilmente a inflação convergirá para a meta central de 4,5% em 2011, a não ser que ocorra um ajuste monetário muito expressivo, além de um aperto fiscal - afirmou Eduardo Velho, da Prosper Corretora.

Para Luiza, do Santander, haverá freio também na expansão de crédito do BNDES.

Silvio Campos Neto, economista-chefe do Banco Schahin, diz que, apesar do crescimento econômico menor, a demanda interna continuará crescendo acima do PIB, o que fará o setor externo entrar com o sinal negativo nas contas nacionais. As importações crescerão acima das exportações. Este ano, até novembro, o déficit em transações correntes está em US$49,4 bilhões. Para 2011, as projeções são de até US$78 bilhões.

Vale não vê riscos imediatos nesse buraco crescente nas contas externas, mas alerta que a situação poderá ficar "insustentável nos próximos anos, podendo chegar a 5% do PIB" - o déficit hoje está próximo de 3% do PIB. O temor do economista é com os gastos do governo, considerado por ele o risco econômico de curto prazo. Mas o arrocho fiscal entrou timidamente nos cálculos das projeções. Poucos esperam um corte de gastos expressivo.

O aumento das expectativas de inflação no boletim Focus - além do aumento de juros na China no sábado - empurrou ontem a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) para o campo negativo, após três pregões de ganhos. O Ibovespa fechou em queda de 1%, aos 67.803 pontos. O dólar comercial recuou 0,05%, a R$1,690.