Título: De Roosevelt@edu para Lula@gov
Autor: Gaspari,Elio
Fonte: O Globo, 29/12/2010, Opinião, p. 6

Caro Lula,

Há oito anos, quando o senhor foi eleito presidente do Brasil, eu lhe mandei uma mensagem torcendo pelo seu sucesso e lembrando-lhe a essência do meu êxito. Governei os Estados Unidos de 1933 a 1945, ganhei a maior guerra de nossa história, mas de Franklin Roosevelt ficou a lembrança de um presidente que mudou a vida do seu povo, criando uma América onde ninguém ficasse de fora. O mundo aprendeu que, ou haveria capitalismo para todos, ou não haveria para ninguém. O senhor fez o mesmo no Brasil. Para quem dizia que seu país era uma Belíndia, o senhor tirou da Índia brasileira o equivalente à população de toda uma Bélgica. Entre 2003 e 2009, o número de pobres passou de 30,4 milhões para 17 milhões. O desemprego caiu a níveis históricos e, pela primeira vez em muitos anos, a maioria dos trabalhadores está no mercado formal. O crédito chegou a casas onde a pobreza era um estigma financeiro. Os plutocratas do seu país compreenderam que o acesso dos pobres aos instrumentos da capitalismo é a garantia de sua longevidade.

De tudo o que o senhor conseguiu, o que mais me comove é o resultado desse programa chamado ProUni, que coloca nas universidades jovens de famílias pobres com bom desempenho escolar. Eu fiz coisa parecida, abrindo o ensino superior para os soldados que voltavam da guerra. Em cinco anos, o seu programa atendeu 540 mil jovens. O meu matriculou 2,2 milhões entre 1944 e 1949. Inicialmente, pensávamos apenas em proteger os veteranos da guerra. Trinta anos depois, verificou-se que a GI Bill foi um dos fatores determinantes para o surgimento de uma nova classe média. Quando o Juscelino Kubitschek me contou que a oposição foi à Suprema Corte para destruir seu programa, percebi que o Padre Eterno fez pelo senhor o que fez por mim: presenteou-nos com uma oposição que assegura nosso lugar na História.

Antes de lhe escrever, jantei com Getúlio Vargas, JK e Ernesto Geisel. Em graus variáveis, os três torciam pelo seu sucesso. Getúlio e JK invejaram sua capacidade de sobreviver ao mandato e eleger a sucessora. Já o Geisel teme que esse sucesso traga um risco. Com a experiência de quem foi escolhido pelo antecessor (um general introvertido chamado Médici) e escolheu o sucessor (outro general, não sei se Figueiredo é o nome dele ou do cavalo que monta), pede que lhe avise: cuidado com a turma da copa e cozinha. É de lá que saem as intrigas. Um deles brigou por causa de uma irrelevância na previdência do Rio Grande do Sul.

Parte de seu sucesso o senhor deve ao professor Cardoso. Não faz bem à sua biografia negar-lhe o crédito. Estive com Ruth, mulher dele, mas não posso contar o que ela me disse a respeito da ultima campanha eleitoral brasileira.

Senhor Silva, repito o que escrevi em 2002. Pouco temos em comum, eu vim de Harvard e de uma família que já havia dado aos Estados Unidos um presidente (que por pouco não morreu na floresta brasileira). O senhor veio de lugar nenhum. Dizem que fui o traidor da minha classe. Felicito-o por não ter traído a sua.

Despeço-me registrando que a admiração de Eleanor, minha mulher, pelo senhor é muito maior que a minha.

Parabéns,

Franklin Roosevelt.

ELIO GASPARI é jornalista.

Parabéns, presidente, se o Brasil é uma Belíndia, o senhor levou 13 milhões para a Bélgica