Título: Meta fiscal, só com ajuda do PAC
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 29/12/2010, Economia, p. 27

Governo não economiza o previsto e deduzirá aportes no programa para obter superávit de 3,1% do PIB

Ogoverno jogou a toalha e admitiu ontem que não conseguirá cumprir a meta cheia de superávit fiscal primário (receitas menos despesas, sem contar o pagamento de juros). A estimativa era que a equipe econômica conseguiria economizar o equivalente a 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) em 2010 para o pagamento de juros da dívida pública. Mas o quadro se complicou e agora, para fechar o ano no azul, será preciso tirar da conta das despesas parte dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), por meio do Projeto Piloto de Investimentos (PPI).

O primeiro a admitir essa possibilidade foi o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao dizer ontem que, embora a União esteja com sua parte da meta fiscal equilibrada (2,15% do PIB), estados e municípios - responsáveis por economizar o equivalente a 0,95% do PIB para chegar à meta de 3,15% do PIB - estão com dificuldades. Logo em seguida, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, reconheceu que a União terá de fechar eventuais rombos deixados por estados e municípios e, para isso, precisará usar o abatimento legal previsto para cumprir a meta do ano.

- A União fará a sua parte, isso eu posso garantir. Mas há uma dificuldade por parte de estados e municípios - disse Mantega.

- Estamos fazendo um grande esforço para cumprir a meta, mas o Tesouro pode ter de usar o PPI (mecanismo que permite o abatimento dos investimentos feitos no PAC) para cobrir a diferença deixada por estados e municípios - acrescentou Augustin, lembrando que o abatimento permitido está em R$19,3 bilhões.

Em novembro, superávit caiu 86%

Apenas em novembro, o esforço primário da União despencou 86% e fechou o mês em R$1,1 bilhão. Em outubro, o resultado havia sido de R$7,8 bilhões. Os gastos públicos cresceram 5,32% no mês em relação a outubro, enquanto as receitas caíram 6% na mesma comparação.

Nas despesas, o maior impacto veio do pagamento da segunda parcela do décimo terceiro salário dos funcionários do Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público da União. Já nas receitas, houve queda no recolhimento de tributos como o Imposto de Renda das empresas e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Além de admitir que irá recorrer ao PPI, o governo já usou em 2010 uma série de manobras para tentar fechar suas contas. A principal foi uma triangulação com o BNDES na operação de capitalização da Petrobras e que rendeu R$32 bilhões em receitas primárias. E a outra foi a retirada da Eletrobras da meta de superávit fiscal primário. A estatal respondia por 0,2 ponto percentual da meta, que era de 3,3% do PIB. Com a mudança, a meta foi reduzida para 3,1% do PIB.

Mesmo assim, o esforço fiscal terá de ser grande em dezembro, uma vez que o superávit primário acumulado até novembro está em R$64,6 bilhões. A meta do ano para a União (governo central, que reúne Tesouro, Previdência e Banco Central) é de R$76,3 bilhões. Segundo Augustin, essa diferença será coberta com tranquilidade em dezembro, pois o resultado do mês será elevado:

- O primário de dezembro será muito positivo, possivelmente com dois dígitos.

Segundo ele, esse comportamento será possível graças a um forte aumento da arrecadação em função do aquecimento da economia e dos esforços da Receita Federal para combater a sonegação. Até novembro, as receitas da União registraram um crescimento de 27,8%, atingindo R$697,9 bilhões. Já as despesas subiram 24,6%, ficando em R$633,3 bilhões.

Do lado dos gastos, os investimentos cresceram 47% no ano e atingiram quase R$40 bilhões. Já as despesas com custeio tiveram alta de 22,2%, e as de pessoal, de 9,6%. Segundo Augustin, esse é um resultado favorável, uma vez que, em termos reais, os desembolsos com pessoal caíram 4,8%.

- Não houve explosão dos gastos com pessoal, como muitos temiam.

Economistas alertam que, num ano em que a economia vai crescer quase 8% e em que o governo conseguiu quase R$32 bilhões com a capitalização da Petrobras, não deveria haver dificuldades para fechar as contas. Para André Saconato, da consultoria Tendências, 2010 foi um ano em que o governo conduziu mal a política fiscal e agora joga a responsabilidade para cima de estados e municípios:

- A política fiscal este ano teve resultado muito ruim, e não temos certeza sobre 2011. O ministro da Fazenda continuará o mesmo.

Já o especialista em contas públicas Raul Velloso afirmou que os analistas do mercado vão continuar a olhar os dados fiscais com desconfiança:

- Os mercados vão olhar o resultado global. Não vão olhar apenas a União ou os estados e municípios. E quem coloca esses entes numa camisa de força na hora de fechar as contas é o próprio governo central.