Título: Lula deixa mínimo de R$540
Autor: Beck, Martha ; Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 31/12/2010, O País, p. 3

Na saída, presidente fixa o valor, pela primeira vez com correção abaixo da inflação

Sem ceder às pressões das centrais sindicais, e dois dias antes de deixar o cargo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou ontem medida provisória fixando o salário mínimo em R$540 - valor que entra em vigor amanhã -, o que significa uma correção de 5,88% sobre os R$510 em vigor. Pela primeira vez desde 2003, não haverá aumento real (acima da inflação) para o mínimo.

A confirmação da edição da MP foi feita pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Segundo ele, que continuará no cargo no governo Dilma Rousseff, o valor assegura a valorização dos ganhos dos trabalhadores. Mas, para o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), com esse valor o trabalhador não conseguirá repor a inflação e terá perdas. A entidade calculou que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) fechará em 6,47% e que, por isso, o mínimo deveria ser de R$543 - R$3 a mais do que o fixado.

Mas o Dieese reconhece que, na era Lula, o mínimo já acumula um ganho real de 52,83% a partir de 2003 - incluindo o reajuste formalizado ontem, que valerá em 2011.

- O novo mínimo representa um aumento a partir dos R$510 do salário atual. No conjunto dos últimos oito anos, acho que foi o período em que o salário mínimo mais cresceu na história desse país. O presidente cumpre a promessa de valorizar o salário mínimo - disse o ministro Mantega.

Perda de 0,55% frente à inflação

De acordo com o Dieese, o piso deverá ter perda de 0,55% frente à inflação, a primeira registrada desde 2003, início do governo Lula.

- Essa última decisão (de manter os R$540) é um mau exemplo, uma proposta que não agrada. Parece que o Lula quer que a Dilma esqueça o que ele fez pelos trabalhadores nesses oito anos - reclamou o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna. As centrais sindicais dizem que tentarão mudar o valor em negociação no Congresso.

Desde abril de 2002, quando o mínimo era R$200, até janeiro de 2011 -- considerando a perda prevista --, os ganhos reais acumulam 52,83%, aponta o estudo do Dieese.

Presidente já tinha avisado sobre valor

Nem Lula e nem a presidente eleita cederam às pressões dos sindicalistas por um mínimo de R$580. A expectativa, inclusive de aliados, era de que a proposta fosse "melhorada" por Lula, para algo entre R$550 e R$560. Mas, ao longo da semana, Lula já tinha avisado que não faria isso.

A equipe econômica decidiu que era preciso manter a atual política de valorização do salário mínimo. A regra estabelece que o valor do mínimo é fixado com base na inflação do período, medida pelo INPC, mais o PIB de dois anos anteriores.

O problema é que, para 2011, o PIB a ser aplicado seria o de 2009, quando não houve crescimento econômico. Devido à crise econômica, o PIB de 2009 foi negativo em 0,2% - índice atualizado para 0,6%, segundo o IBGE -, o que significa, pela regra, que não haveria mesmo um aumento real.

Ao anunciar a decisão, Mantega destacou ainda que o valor fixado para 2011 representa uma pressão menor sobre os gastos da Previdência Social e ajuda o governo a manter o equilíbrio fiscal. Mantega disse também que os trabalhadores conseguirão ganhos maiores em 2012, pois o reajuste do salário mínimo será feito levando em consideração o crescimento da economia em 2010, que ficará acima de 7,5%.

- Nós já sabemos que, para o ano seguinte, 2012, o salário mínimo se beneficiará do crescimento de 7,5%, 7,6% ou 7,7% que nós teremos este ano.

Segundo cálculos do Ministério do Planejamento, o impacto de um aumento de R$30 sobre o mínimo nas contas públicas é de R$8,6 bilhões por ano, já que cada real tem um impacto de R$286,4 milhões, em especial na Previdência.

Lula manteve o valor de R$540 aprovado pelo Congresso no Orçamento da União para 2011. A área econômica havia previsto originalmente um INPC de 5,52%, o que daria um mínimo de R$538,15. Depois, em novembro, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, esteve no Congresso e anunciou a revisão para baixo do INPC, 5,27%, fazendo o valor do mínimo cair para R$536,88. Mas o governo deu a orientação para o Congresso arredondar o valor para R$540, já que o mercado previa um INPC de 5,85%.

Para arredondar o valor para R$540, a Comissão Mista de Orçamento colocou mais R$853 milhões além da verba prevista inicialmente para o mínimo.

As centrais sindicais tentaram flexibilizar a regra para 2011, mas não deu certo. Por isso, a votação da MP pelo Congresso promete ser o primeiro desafio de Dilma, já que o presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), avisou que irá apresentar à MP emenda pelos R$580.

Os aposentados que ganham acima do mínimo também receberão apenas a correção pela inflação, por meio de portaria do Ministério da Previdência. Em 2010, o governo foi derrotado no Congresso e teve que "engolir" um reajuste de 7,7% para essa faixa de aposentadorias, o que gerou uma despesa de R$8,4 bilhões - R$1,6 bilhão a mais do que o previsto com o reajuste original de 6,14% proposto pelo governo. Ao todo, 8,3 milhões de aposentados e pensionistas recebem benefícios acima do salário mínimo.

No estudo, o Dieese lembra que o reajuste previsto segue a política de valorização do mínimo acordada entre as centrais e o governo em 2006, que prevê que o aumento seja a soma da inflação mais o crescimento da economia de dois anos anteriores.

O Dieese defende que a revisão da perda deveria ser, pelo menos, equivalente à variação pelo INPC de janeiro a dezembro de 2010.

- A expectativa é que as centrais reabram a negociação com a nova presidente para o valor subir - disse Silvestre. - Ainda há uma brecha no Orçamento que pode melhorar o valor do piso. Portanto, o primeiro embate das centrais com o novo governo será a discussão sobre o mínimo - garantiu Juruna.