Título: Pobreza no campo, desafio esquecido?
Autor: Garcia, Marcelo
Fonte: Correio Braziliense, 13/07/2009, Opinião, p. 13

Assistente social e presidente do Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social.

Como agir em relação à pobreza no campo? Esse debate estaria esquecido? A pobreza no campo é mais ácida do que a pobreza urbana, uma vez que as referências de serviços e programas são escassas e as informações oficiais são precárias ou inexistentes. Pobres e miseráveis do campo, lastimavelmente, estão marginalizados. Não foram incluídos na agenda nacional.

Quando se fala no meio rural, só o que se discute é a questão ambiental. Concordo que o assunto é de suma importância, mas penso que a mudança da nossa realidade social deveria, igualmente, ser compromisso de todos nós, incluindo os ecologistas de profissão e de carteirinha. É a partir dessa mudança que vamos construir alterações relevantes, inclusive na questão ambiental.

Atento ao debate sobre o meio ambiente, acredito que esse problema não deveria ser avaliado de forma isolada, como se estivesse divorciado das demais questões do país. A manutenção do divórcio é ruim, sobretudo para quem mais precisa da agenda de mudanças, ou seja, os pobres que vivem no campo e nas cidades.

Estamos em um país onde 23 milhões de pessoas vivem com fome, segundo dados da Organização das Nações Unidas, mas, infelizmente, tem ecologista que, a pretexto de defender o verde, está advogando a diminuição da produção de alimentos. Não podemos fazer esse tipo de campanha quando seria mais correto preservar a produção atual e, se possível, aumentar a oferta de arroz, feijão, carne e leite etc..

A exclusão social no meio rural é relativamente desconhecida e pouco estudada por ser mais difusa e menos visível que nos centros urbanos. Os problemas, no entanto, são graves e urgentes. No campo somos confrontados por uma realidade dura, onde persiste a evolução negativa da oferta de serviços sociais adequados. Ao isolamento das pessoas soma-se ainda a ausência de locais de encontro e de vida social, a escassez de habitação, entre inúmeras outras carências.

Temos de ter razão e sensibilidade para mudar a realidade. Devemos fazer o que estiver ao nosso alcance ao menos para dar fim à fome e à falta de serviços sociais. Em um cenário de pobreza e de indigência sabemos que todos sofrem demais, mas que são especialmente vulneráveis as crianças, os mais velhos e os doentes. Precisamos dos programas sociais do governo e de um esforço suplementar de solidariedade de todos para amenizar o sofrimento dos que dependem do Estado e do dinheiro dos impostos que todos nós pagamos.

O ponto de partida tem de ser: vamos alimentar quem passa fome. Precisamos de objetivos, funções definidas dos órgãos públicos, responsabilidades, prazos e metas. Na minha avaliação, é urgente que assim seja. O trabalho das nossas instituições é essencial; precisamos das famílias; precisamos do voluntariado e precisamos, sobretudo, da responsabilidade social de cada um de nós.

Para amenizar e reduzir a fome seria importante, além de aumentar e baratear o preço dos alimentos, realizar o debate nacional sobre a questão da pobreza com o mesmo ânimo e a mesma empolgação que usamos para defender o meio ambiente. Precisamos de militantes antipobreza que tenham a mesma ousadia, a criatividade e a coragem dos defensores do meio ambiente.

Temos de defender os pobres e o fim da sua contingência desfavorável de vida, com a mesma força que defendemos matas, rios e florestas. E a leitura da realidade do campo é mais que necessária. Podemos diminuir a jornada de trabalho no campo? Podemos reduzir a produção de alimentos? Acredito que o Brasil precisa de uma agenda ambiental, mas acho que passou da hora, e faz tempo que passou, de termos uma agenda social que inclua o compromisso de superar a pobreza tanto no campo quanto na cidade.

Uma política social digna desse nome ¿ até por imperativo constitucional ¿ deve incluir todas as áreas do país, ou seja, atender os pobres onde eles estiverem. Para isso, é preciso articulação persistente e ágil, especialmente na saúde e na educação, cujas batalhas nunca serão ganhas sem a participação plena do Estado em todos os graus de ensino e de aprendizagem.

Até quando vamos seguir usando venda nos olhos para permanecer nessa cegueira em relação à pobreza na área rural? Qual é nossa maior urgência? Eu fico com os pobres. Não acredito em agenda verde que não se preocupe com as pessoas. Minha crença e meu trabalho se dirigem primeiro às pessoas. O mundo não seria mundo sem elas.