Título: O modelo político brasileiro está podre
Autor: Tinoco, Dandara ; Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 31/12/2010, O País, p. 14

Novo ministro das Relações Institucionais defende reforma política e diz que pretende mudar as emendas individuais

Escolhido ministro das Relações Institucionais em meio a uma acirrada disputa por cargos e após um forte lobby do PT fluminense, o ex-sindicalista, deputado e presidente do partido no Rio, Luiz Sérgio, de 52 anos, agora terá como uma das principais tarefas lidar com as diferentes vozes do Congresso e dos partidos. Ao lembrar o episódio do mensalão, que em 2005 mostrou a fragilidade dessa relação, ele afirmou que "o modelo político brasileiro está podre". O novo ministro - que já havia dito que não acredita em "revanchismo" do PMDB - defendeu que a base governista precisa estar unida "para dar a governabilidade necessária" à presidente eleita, Dilma Rousseff. Luiz Sérgio conserva em seu escritório, no Centro do Rio, uma parede coberta com fotos onde aparece ao lado do presidente Lula. Sobre a mesa, uma pasta com informações sobre o ministério que assumirá. A respeito do perfil técnico de Dilma, ele diz que o equilíbrio ficará por conta do Ministério, "bastante político".

Houve uma frustração inicial do PT do Rio com a formação do Ministério, mas o estado acabou ganhando pastas de peso. Como o Rio ficou nessa composição?

LUIZ SÉRGIO: Tão importante quanto a presença de pessoas é a manutenção da atenção que o governo federal tem dado ao Rio de Janeiro. Uma das tarefas do Ministério das Relações Institucionais, principalmente na Secretaria de Assuntos Federativos, é acompanhar essa relação do governo federal com os estados e municípios.

O senhor disse que o fato de o novo ministro do Turismo, Pedro Novais, ter gastado verba indenizatória em um motel não significa um escândalo. Por que não?

LUIZ SÉRGIO: Existe uma denúncia. Espero que a Câmara esteja apurando. O que eu defendi sempre, desde o início, foi que, num caso como este, ele tem, pela norma, um direito de se defender. A comissão existente na Câmara que faz a avaliação e a triagem dessas notas apresentadas também precisa ter eficiência.

Seu ministério requer um traquejo político num governo comandado por uma presidente com um perfil técnico. Como o senhor vê isso?

LUIZ SÉRGIO: O Ministério é bem equilibrado entre a técnica e a política. Paulo Bernardo foi deputado federal, Palocci foi prefeito e deputado federal... O Ministério tem até um perfil bastante político. Um governo precisa sempre se complementar. Eu diria que a presidente Dilma é uma técnica extremamente competente. Mas quem disputa uma campanha para presidente no Brasil faz um doutorado em política, e ela se saiu bem.

O senhor teme que a candidatura de Marco Maia para a presidência da Câmara abra espaço para um deputado do baixo clero, como aconteceu com Severino Cavalcanti?

LUIZ SÉRGIO: Naquele momento o próprio PT acabou com duas candidaturas, a do Greenhalgh (Luiz Eduardo) e a do Virgílio Guimarães. Essa é uma divisão do PT que não existe. (...) É preciso que esse processo de escolha do presidente da Câmara seja instrumento para unificar ainda mais os partidos que estiveram juntos no processo eleitoral. E é muito importante que a base possa estar unida para dar a governabilidade necessária.

Uma candidatura do baixo clero ameaçaria isso?

LUIZ SÉRGIO: Não é o ideal. Mas eu confio muito na maturidade dos deputados.

Como será esse contato permanente com os deputados?

LUIZ SÉRGIO: A relação com a Câmara muitas vezes tem atritos por questões muito simples. O parlamentar não quer ser resumido a um apertador de botão, a um levantador de mão. Ele quer ser um agente político e para isso há um pressuposto mínimo de que possa ser ouvido. Há, por exemplo, um processo na Câmara que tem sido um dos mais desgastantes, a velha história das emendas individuais.

Esse será o principal nó?

LUIZ SÉRGIO: É preciso estabelecer uma regra com mais critério, porque se evidenciou que recursos pararam em ONGs, sem explicação. Num período muito curto, o limite de uma emenda saiu de R$3 milhões para R$12,5 milhões. Não liberar nada também é absurdo. Acho que o melhor é que as emendas pudessem ser feitas dentro de programas já existentes dentro do próprio ministério.

Todos perguntam sobre a sua relação com o José Dirceu.

LUIZ SÉRGIO: Chama atenção o fascínio que a imprensa tem pelo José Dirceu. Há sempre uma tentativa de colocar as pessoas como amigo ou inimigo, como aliado ou adversário.

Essa relação que fazem entre vocês incomoda?

LUIZ SÉRGIO: Não diria que incomoda, mas acaba cansando o fato de que talvez seja a centésima vez que eu tenha que explicar isso. Eu tenho esse escritório há quatro anos, o Zé nunca esteve aqui. Com toda a sinceridade, eu falo uma média de quatro vezes por ano com o Zé Dirceu.

O mensalão existiu?

LUIZ SÉRGIO: O mensalão, enquanto versão que foi apresentada para construir base de apoio para votar matéria de governo, essa versão não existiu. Nós estamos sempre debatendo as consequências e não estamos debatendo as causas. Tivemos a crise dos partidos, que foi do PT, com PTB, com PP, que tinha a ver com financiamento de campanha. Em Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Brasília também. O que isso evidencia, de forma muito clara? Que o modelo atual que nós temos é um modelo que está podre. Com esse modelo, pode aparecer crise a qualquer momento. A outra questão é que a reforma política é muito difícil, porque cada um se acha um professor da matéria.

Qual a solução?

LUIZ SÉRGIO: Essa não é uma matéria que dependa da vontade do presidente. A reforma política, a meu ver, só sairá com uma mobilização da sociedade civil, das organizações sociais. É um modelo que se esgotou.

O senhor diz que a "versão" que se propagou sobre o mensalão não existiu. O que existiu?

LUIZ SÉRGIO: O que existiu foi que o diretório do PT acertou via partidos - Roberto Jefferson era presidente do PTB, Pedro Corrêa era presidente do PP - que iam viabilizar de partido para partido recursos para ajuda na campanha eleitoral, que teríamos na prefeitura do ano seguinte. E deu nesse grande problema. Mas esse é um tema que está na Justiça e ela irá esclarecer.

Com relação à Presidência do Senado, o senhor acha que Sarney é o candidato natural? Como será a relação com o forte e insatisfeito PMDB?

LUIZ SÉRGIO: Caminha para isso. O Senado tem uma tradição de sempre eleger o candidato da maior bancada. E quem dá esse direito são os eleitores, que elegeram o PMDB a maior bancada do Senado. Espero compreensão dos partidos aliados.

Como é sua relação com a presidente eleita?

LUIZ SÉRGIO: Conheci a Dilma como ministra das Minas e Energia. E ali é um bom exemplo do que o governo teve que reconstruir de máquina pública. Ali tinha mais motorista do que engenheiro. Teve que reorganizar todo o sistema.

Houve aproximação na época da CPI dos Cartões Corporativos, quando o senhor era relator, e ela não foi convocada?

LUIZ SÉRGIO: Não, sinceramente não.

O que o senhor achou do Campo de Lula?

LUIZ SÉRGIO: Nós temos mexilhão, temos garopa, cocoroca... Lula é até mais nobre do que alguns peixinhos que eles usaram para batizar. A Petrobras tomou como uma das suas políticas dar nome de peixes ou moluscos. Lula está nessa cadeia. Não é um absurdo. Porque está nessa lógica.

E tem o fato de ser o maior campo descoberto...

LUIZ SÉRGIO: Tem tudo a ver. Tem a ver com a política. Quem quiser entender como uma homenagem é justa. Lamento que a oposição não tenha entendido.

O PT possivelmente apoiará o PMDB no Rio em 2014? Como fica Lindberg Farias?

LUIZ SÉRGIO: A coisa mais natural do mundo é que o Cabral defenda o nome do Pezão para sucedê-lo. Mas quatro anos na política é um século. Evidentemente que Lindberg é uma liderança política em ascensão no Rio. Não tenho dúvida de que um dia será candidato governador. Mas ele terá que ter sabedoria para escolher o momento.