Título: Vale mais que ouro
Autor: Bôas, Bruno Villas
Fonte: O Globo, 31/12/2010, Economia, p. 25

Aplicações na mineradora lideraram ganhos em 2010 e ao longo do governo Lula

Ocrescimento acelerado das economias emergentes e a valorização dos preços das matérias-primas fez com que a Vale fosse a melhor aplicação financeira em 2010 e no acumulado dos oito anos de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que termina hoje. Quem colocou parte do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) nas ações da mineradora viu seu dinheiro render 12,10% este ano e 629,69% nos últimos oito anos até o último dia 23. Os números são da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) e não descontam a inflação acumulada no período, que pelo IGP-M foi de 11,32% em 2010 e de 66,24% desde janeiro de 2003.

Especialistas explicam que a rentabilidade das aplicações em renda variável foram vigorosas desde 2003, acima dos ganhos com a conservadora renda fixa (que remunera com base nos juros básicos do país, a Selic). No período, o rendimento foi forte ainda em aplicações como FGTS-Petrobras (428,41%) e fundos de investimento que acompanham o Ibovespa (443,92%), o principal índice de referência da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa).

- Os investidores estrangeiros confiaram no Brasil e tiveram um papel importante nessa valorização de Vale e Petrobras. Parte por competência do governo, que manteve os fundamentos econômicos que herdou. Mas também por uma certa sorte, já que pegou o mundo em crescimento e não enfrentou uma crise até 2008 - diz Alexandre Póvoa, presidente do Modal Asset.

O preço da tonelada do minério de ferro, por exemplo, subiu de US$30 para US$140 ao longo dos dois mandatos, uma alta de 366%, elevando o faturamento da Vale e consequentemente valorizando as ações da companhia. Foi mais do que os ganhos com ouro no período, que somaram 283,42%. Já o barril de petróleo teve uma alta de US$31 para US$90 na Bolsa de Nova York, impulsionando a Petrobras.

Além da valorização das commodities, um mercado interno crescendo a ritmo acelerado também ajudou para o forte ganho com renda variável, explica Paulo Esteves, analista-chefe da Gradual Investimentos:

- Um desses fatores foi o aumento do poder aquisitivo da população e melhora da taxa de desemprego, que permitiu às pessoas consumirem mais e às empresas venderem mais. E assim as ações dessas empresas acabam mais atraentes na Bolsa - explica.

Mas analistas ponderam que parte do crescimento do Ibovespa ao longo do governo Lula é fruto de uma base de comparação depreciada. Quando Lula despontou nas pesquisas em 2003, o índice derreteu sob o temor de mudanças nos fundamentos da economia por um governo de esquerda. O mesmo aconteceu com o dólar, que estava em R$3,54 em 31 de dezembro de 2002. Ontem, o dólar valia R$1,666. E, por isso, os fundos cambiais foram uma má aplicação no período, com perda de 22,15%.

Inflação corroeu ganhos este ano

Já as aplicações de renda fixa tiveram um desempenho um pouco mais tímido. É o caso dos fundos de renda fixa (205,27%) e DI (199,78%) nesses oito anos de governo. O rendimento da caderneta de poupança foi ainda menor, de 89,4%. O motivo foi a queda da taxa de juros ao longo dos dois mandatos de Lula.

Quando Lula tomou posse em 2003, o Banco Central (BC) elevou a Selic para 26,5% ao ano para combater a inflação e acalmar o mercado. Daquele ponto em diante, a Selic entrou em uma trajetória descendente: em julho do ano passado, chegou ao seu menor nível, de 8,75% ao ano, no qual se manteve até março último. Os juros estão agora em 10,75%.

Este ano, porém, o aumento da inflação puxado pela aceleração dos preços dos alimentos corroeu a rentabilidade da maioria das aplicações. O IGP-M fechou o ano em 11,32% e superou investimentos como fundo DI (9,73%) e caderneta de poupança (6,89%), além de multimercado (11,11%), que podem investir em renda fixa, variável ou câmbio. Isso significa que o poupador percebeu, na prática, uma perda de poder de compra nessas aplicações.

- O investidor não teve muito lugar para correr, já que a renda fixa teve ganhos menores e a Bolsa decepcionou. Foi um ano muito volátil, com dados conflitantes sobre a retomada do crescimento nos EUA, Europa e Japão. E tivemos ainda a crise fiscal na Europa, que atingiu países como Grécia e Irlanda, e ameaçam países como Portugal, Espanha e Itália - resume Fabio Colombo, administrador de investimentos.

Os cotistas do FGTS-Vale tiveram, como em 2009, a melhor rentabilidade em sua aplicação em 2010, com ganho de 12,10% no ano. Os fundos de renda fixa (11,37%) também superaram a inflação do período desde que não seja descontado o Imposto de Renda (IR).

Embora tenha liderado ganhos das aplicações no primeiro mandato do presidente Lula, o FGTS-Petrobras foi a pior aplicação em 2010, com perda de 29,40%, mesmo com todo o potencial das descobertas do pré-sal. A razão foi a capitalização da companhia. Mesmo bem sucedida ao levantar R$120 bilhões no mercado este ano, na maior oferta pública da História, a capitalização aumentou a participação do governo na companhia e desagradou investidores.

- Em dezembro a Petrobras conseguiu recuperar um pouco essas perdas, mas seguiu no campo negativo no ano. Uma queda grande - acrescenta Fabio Colombo.

Ontem, o Ibovespa fechou o último pregão do ano em alta de 0,51%, aos 69.304 pontos. O giro foi elevado: R$8,9 bilhões, puxado pelo ajuste das carteiras de fundos de ações para 2011, no fim do pregão. O destaque ficou para os papéis da Petrobras, que recuperaram uma pequena parte da forte queda acumulada no ano. As ações preferenciais (PN, sem direito a voto) subiram 1,19% (para R$27,29) e as ordinárias (ON, com voto), 1,50% (a R$30,55). Já o dólar comercial recuou 0,83%, a R$1,666, menor patamar desde 18 de outubro. A moeda foi pressionada pela formação da taxa Ptax de dezembro, usada para liquidação de contratos no mercado futuro de câmbio.