Título: Para o alto e avante
Autor: Grandelle, Renato
Fonte: O Globo, 31/12/2010, Ciência, p. 32

Brasil ingressa na mais produtiva associação astronômica do mundo

OBrasil ganhou o passe para integrar uma das mais importantes associações mundiais de astronomia. O país será o primeiro membro do Observatório Europeu do Sul (ESO, na sigla em inglês) fora daquele continente. A adesão ao grupo, que ainda depende da aprovação do Congresso, foi assinada na quarta-feira pelo ministro de Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, e pelo diretor-geral do ESO, Tim De Zeeuw. O acordo custará cerca de R$555 milhões, divididos em parcelas nos próximos dez anos. Um valor que, para o governo federal, mais do que compensa os benefícios proporcionados pela entidade.

Para a comunidade científica brasileira, a adesão ao ESO caiu dos céus. O país conta com cerca de 250 doutores em astronomia, e outros 250 mestres e estudantes de pós-graduação. Não é um grande contingente, mas, para os europeus, tem potencial de sobra.

- Para que um país se torne membro do ESO, precisa ter uma comunidade astronômica forte, motivada e bem preparada - ressalta De Zeeuw. - O Brasil está pronto para investir em ciência e tecnologia. Estou convencido de que contribuirá conosco. Esta adesão é um grande passo não só para o país, como também para a Europa.

Negociações quase fracassaram

Até a assinatura do acordo, anteontem em Brasília, foram dez meses de negociações. As conversas pareciam fadadas ao fracasso, dada a falta de acordo quando o assunto chegava às cifras. Inicialmente o ESO cobrou cerca de R$880 milhões para que o Brasil ingressasse no grupo. A contribuição de cada membro é ditada por seu PIB. O Ministério da Ciência e Tecnologia, no entanto, argumentou que o PIB per capita brasileiro é muito inferior aos de outros Estados-membros da associação. Em novembro, para surpresa até de autoridades do governo federal, De Zeeuw cortou a taxa quase pela metade.

O pagamento será efetuado durante a próxima década, com as parcelas crescendo gradualmente. No primeiro ano, o ESO cobrará apenas R$13 milhões - o equivalente a 0,16% do orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia em 2011.

- A anuidade é proporcional ao PIB, mas, no caso do Brasil, o crescimento da taxa será gradual, levando em conta o modesto PIB per capita do país e o fato de que levará algum tempo para que a indústria e os astrônomos brasileiros participem de fato do ESO - explica De Zeeuw.

Como integrante da entidade, o país terá o direito de usar os três observatórios mantidos pelo ESO no Chile - um deles, o Paranal, é o mais avançado do mundo. É um presente e tanto para o Brasil, que conta com apenas uma estrutura semelhante: o Laboratório Nacional de Astrofísica, em Itajubá (MG), tão tímido que serve mais a treinamentos do que para a prática profissional.

O Chile receberá, ainda, o Telescópio Extremamente Grande (E-ELT), cuja concepção está em fase final. A estrutura terá 42 metros de altura e deve ser inaugurada em 2020. O Brasil enviará profissionais de engenharia e astronomia para contribuir com sua construção.

Outras empresas nacionais também acompanham de perto o projeto. Com o país aceito no ESO, suas construtoras poderão participar de licitações - e algumas já manifestaram interesse em edificar, por exemplo, as estruturas metálicas do novo telescópio. O desenvolvimento tecnológico proporcionado por essa experiência contribuiria para outros setores científicos, além da astronomia.

De Zeeuw revela que o ESO foi procurado por "vários países" interessados em juntar-se à associação, mas, atualmente, não há outras negociações em andamento.

- Estamos abertos a conversas, mas fomos fundados como uma organização europeia e continuaremos assim - assinala.